A besta fera do sertão

Esse caso aconteceu há muitos anos atrás, em uma cidadezinha brasileira, encravada ali pelo sertão nordestino. E devido à quantidade de anos que já se passaram, não consigo recordar-me claramente do nome da cidade e nem os nomes das pessoas. Todavia isso não vem ao caso porque também não sou muito de dar nomes verdadeiros aos personagens das minhas histórias.

Existia nesse lugar, um tal de Coronel Malaquias, dono de uma enorme extensão de terra ali naquela região. E tudo começou a ficar meio complicado para esse tal de Coronel Malaquias, quando o progresso começou a chegar por aquelas bandas. Por seu azar uma estrada de ferro foi construída por ali e dividiu as suas terras ao meio. A princípio ele até gostou, pois com certeza iria valorizar as suas terras. Só que com o passar do tempo começaram a surgir os problemas. Toda vez que o trem passava, morria atropelado de dois a três animais do seu rebanho.

----Desse jeito eu tô ferrado! Cada vez que o trem passa ele mata os meus bichos! -- Reclamou o coronel com o seu capataz.

----E hoje cedo morreram mais dois! --Explicou-lhe o capataz.

----Puta que pariu! Não tô dizendo! A gente tem que dar um jeito!

----Ué! Mas fazer o quê coronel? Amarrar eles na hora que o trem passar não dá! Tem mais de trezentas cabeças de gado!

----Eu sei que não dá! Não precisa me dizer isso por que eu não sou burro não. Nós vamos fazer o seguinte; me contrata um cabra, que seja de pouca paga, prá ficar ali tomando conta do rebanho quando o trem passar.

----È... pode ser que de certo, coronel! É só ele ficar de olho e não deixar o rebanho ficar muito perto dos trilhos do trem. -- concordou o capataz.

E sendo assim, no mesmo dia, arrumaram um cabra prá tomar conta do rebanho quando o trem passasse. Um tal de Zeca Zarolho. Um pobre coitado do "zóio" tudo torto, feio que dava dó. Daqueles cabras bem chucro mesmo, completamente analfabeto e que não sabia nem mesmo conversar direito. E o pior de tudo; nunca tinha visto um trem em toda a sua vida.

E lá foi o pobre diabo cumprir a sua missão. Apenas explicaram prá ele que era pra tomar conta do rebanho quando o trem passasse. E o descambelhado ficou ali matutando consigo mesmo, que diacho de bicho era aquele que já havia matado mais de vinte animais. Segurou firme a espingarda, correu os olhos pelo descampado e murmurou:

----Cruz credo! Que Deus me proteja desse bicho! Num quero nem saber... se o lazarento aparecer por aqui eu prego fogo!

E tava ele ali pensando com seus botões, quando ouviu lá longe um apito meio estranho. E aquilo foi chegando e aumentando cada vez mais o barulho. Era o trem que vinha se aproximando. Apitando, soltando fumaça, e fazendo uma barulheira desgraçada à medida que se aproximava.

Ah, não deu outra! O coitado do Zeca Zarolho se cagou todo. Largou a sua espingardinha e saiu numa carreira tão desgraçada, que só parou quando encontrou o capataz que vinha vindo para verificar se estava tudo bem.

O coronel quase teve um enfarte. Desta vez morreram seis animais.

----Me chamem esse desgraçado que eu quero falar com ele!-- ordenou o coronel.

Trouxeram o infeliz à presença do coronel.

----Ô seu cabra bexiguento de uma figa! Eu te coloco lá pra tomar conta do meu rebanho e você abandona o seu posto deixando que seis animais morressem atropelados! Seu cabra safado... incompetente!

O coitado do homem com os olhos esbugalhados e tremendo, ainda, feito vara verde tentou se justificar.

----Coronel... se o senhor visse o tamanho do bicho que vinha vindo em minha direção soltando fumaça pelas ventas, prá tudo quanto era lado, e urrando feito um demônio abestaiado, com certeza teria feito a mesma coisa. E te digo mais; a minha sorte é que o bicho vinha vindo de cumprido, por que se ele vem de atravessado tinha era matado eu com boiada e tudo!