Uma História Sobre Lealdade
Tirou sua arma do coldre e entregou ao amigo.
- Você sabe exatamente o que fazer... Você sabe que ficará muito mal para mim se eu, simplesmente, permitir que você vá! Talvez eu pague com a vida...
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Naquele momento não era com o Sub-Oficial Shamir que ele falava. Nem era ele o General Ponet. Era com Aron que ele falava e ele era apenas Ramal. Mas ele somente soube disso muito depois...
Caminhos paralelos em direções opostas os levaram àquele momento.
Desde criança Ramal Ponet sonhava ser militar como seu pai, que sonhou ser militar como o pai dele. E, se o avô Ponet foi apenas Sargento, e seu pai, em tempos de paz, foi Capitão, ele fora ainda mais longe... Ele era agora o General Ponet, comandante das brigadas do norte, as mais importantes do Exército Mefi.
Chegara ao generalato em tempos de paz, e fora dele a idéia de avançar sobre os territórios do sul do país. O Monarca Akat III estava muito contente, pois, mostrava assim que a monarquia no norte da Ilha era mais poderosa do que a pseudo Democracia que se instalara no Sul.
No sul, artistas, filósofos e Grouds (feiticeiros da cultura Mefi) tinham muita influência sobre o governo; e estes últimos aconselharam o Presidente Mulkar a declarar guerra às províncias do norte para que as ocupações cessassem.
O Exército do Norte seria, certamente, o mais forte, contudo, o exército da República Mefi era bem mais numeroso, pois, nos tempos anteriores à independência do Sul, o Rei Akat II havia estimulado a população do norte a migrar para o sul, buscando uma melhor distribuição populacional. Foram então criadas obras e oportunidades de negócios no sul, e para lá migraram os melhores e mais ambiciosos cidadãos Mefi. Entre eles Rawal Shamir, sua esposa e seu filho Aron Shamir.
Com a guerra declarada, o General Ponet pediu ao Rei Akat que conclamasse os filhos do Norte de volta para lutar contra o Sul. Sozinho no sul, Aron Shamir soube que quem comandava o exército do norte era seu velho amigo Ramal. E por isso, apenas por isso, voltou a sua cidade natal, próxima a ao Deserto de Ishnir e apresentou-se ao general Ramal, que ficou deveras emocionado com o retorno do amigo.
Aron e Ramal tinham a mesma idade e eram os melhores amigos um do outro. Soltavam pipas e corriam juntos enquanto seus pais jogavam moba. Foi num desses jogos de moba, à época da independência sulista que a amizade dos adultos teve um fim. O pai de Aron, que era jornalista e já estabelecera residência no sul apoiava a independência, mas o capitão Ponet nem podia ouvir falar no assunto. Aron e seu pai foram postos violentamente para fora da casa de seus ex-amigos.
Para os mais jovens, a amizade foi apenas suspensa, e agora seria retomada. O General nomeou seu amigo de infância como sub-oficial e aplicou-lhe o treinamento. A guerra se aproximava.
Aron sempre teve seus princípios familiares baseados na liberdade, lealdade e honestidade. Ele sempre soube que seu pai não ficara realmente magoado com o pai de Ramal. "A natureza do Capitão é bélica, não faz parte dele dialogar" - Dizia seu pai quando falavam nos antigos amigos. E, é certo, que para um estudante de jornalismo as agruras de uma guerra e o desrespeito à vida humana incomodavam demais. Aron resolveu não lutar. Nem por um lado nem por outro. Iria para outro país, talvez para a Terra de Mabar que ficava além do deserto de Ishnir, mas, com certeza não tomaria lugar nesta guerra despropositada.
O problema seria dar esta notícia ao general...
Seu amigo confiara nele. O nomeara Sub-oficial quando o normal seria que ele adentrasse o regimento na condição de soldado. E, como aprendera com seu pai, ele preferiria morrer a colocar seu amigo em apuros... Qual seria a reação de Ramal? Só havia um jeito de saber...
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- Você não pode fazer isso, Aron... Como poderei justificar que meu oficial... O meu amigo, que foi tão bem recomendado ao Rei Akat quer desertar? As regras dizem que eu não posso aceitar isso... Deserção é punida com a morte. Eu deveria matar você agora... Mas você é meu melhor amigo... Não posso cometer o mesmo erro de meu pai, que nunca se perdoou por perder a amizade do seu pai.
Aron, já estava derramando lágrimas...
- Ramal, não posso agir assim. É contra a minha natureza, nunca aprendi a fazer mal a uma mosca, como poderia entrar em uma guerra para matar os filhos das pessoas que conheci no sul... Isso não posso fazer, Ramal, nem por você...
Neste momento Ramal viu que seu amigo tinha razão... Ele precisava pensar em uma forma de resolver a situação, sem demonstrar que permitira a seu amigo ir embora. "Se ele me rendesse?" pensou, "ele poderia ir embora sem problemas e eu poderia dizer que ele tomou minha arma e fugiu..."
Era um plano perfeito... Ramal disse:
- Aron, não posso deixar que fuja, mas também não posso matar-te... Mas acho que há um jeito...
Tirou sua arma do coldre e entregou ao amigo.
- Você sabe exatamente o que fazer... Você sabe que ficará muito mal para mim se eu, simplesmente, permitir que você vá! Talvez eu pague com a vida...
Aron pegou a arma do amigo e disse:
- Sim, eu sei o que fazer... E é por nossa amizade que o farei...
- ARON!!! – Gritou Ramal – NÃO!!!
Mas era tarde demais... O Corpo do amigo já estava sem vida do chão. Em nome de sua amizade, Aron acabara de cravar uma bala em sua própria cabeça...