O porteiro do céu...
Luiz Otávio era um senhor ferrenho em suas convicções religiosas, ia ao culto todas as noites, o paletó e a gravata impecáveis como o cabelo... Trabalhava com barbeiro num cômodo improvisado de sua humilde casa na periferia de uma cidade do interior...
Possuía muitos fregueses e com todos gostava de enveredar por conversas como essa enquanto esculpia com tesoura e pente os cabelos do freguês...
- “Seo” Adamastor, como o mundo anda perdido... Traficante em toda vila tem um, drogado todo quarteirão tem dois ou três...
- É... Realmente... – responde o cliente.
- E jogatina então! É jogo dos bichos, da televisão, dentro de bar, bingo, lotérica então! Tem uma variedade... Deus me livre... Tem um irmão da igreja que soube que faz apostas noutro bairro pra disfarçar... Onde já se viu...
- É... Discreto ele não? – completou o outro...
- Quem não anda discreto é um vizinho meu aqui de baixo... Bebe feito gambá... Se gambá bebesse... Esses dias eu vi ele sendo trazido pelos companheiros de pinga... Cantando e chorando...
- Uma pena não? – emendou o freguês...
- Pena foi o Durval, um amigo de infância... Morreu de câncer... Fumava feito uma chaminé e ainda adorava ir num bordel... Toda sexta-feira ia, diziam...
O tempo que cavalga no mesmo ritmo eterno para todos, um dia apresentou ao Sr. Luiz Otávio a dita morte...
Luiz Otávio então se viu num ambiente não muito parecido com o que esperava do céu, mas enfim não questionou até ser atendido por um anjo que achou tratar-se do porteiro do céu...
- Olá! Isso aqui é o céu? – perguntou...
- Não... Aqui é uma clínica para atendimento de pessoas que passaram a vida terrestre imersos num vício...
- Então está errado! Meu lugar é outro...
- Deus é justo Luiz Otávio... E você veio para cá justamente por ter um vício complexo e fortemente instalado em você... A maledicência... E por não estar completamente certo de tê-la cometido é que conta com a bondade Superior para se tratar... Aproveite...
- Justo eu que condenei toda espécie de vício, que me isolei dos homens que a praticavam, que preguei ferozmente a expulsão dos irmãos da igreja que cometessem tais pecados...
- Você se esqueceu do principal... Vício moral... Você pregou ostensivamente a pena e não preventivamente a cura... Você julgou, será tratado... Eis aí o Amor maior... Venha... Tudo passa... Tudo caminha à frente... Você verá... Vamos...
- O que contamina a alma do homem é o que sai pela boca, eu nem me dei conta disso... Justo eu...
- Calma, não se perturbe... Você já admite a falha e quando aceitar então estará pronto para reparar seu erro... Deus é misericordioso, terá outra chance... Importa-vos nascer de novo... Lembra-se destas palavras? “Era cego, mas agora vejo...”...
E o tempo continuou a sua cavalgada eterna... Para todos...