FILÓ FILOMENA
FILÓ, FILOMENA
Filó era tudo demais: alta demais, magra demais, preta demais e pobre demais; de menos só a inteligência e com todas essas desvantagens, ela trabalhou como lavadeira e faxineira até aos trinta anos e desanimou, parou de trabalhar e passou a beber rios de cachaça, o dia todo ela andava pelas ruas da pequena cidade de Cambará; com passos incertos Filó caminhava sempre pelo meio das ruas mal vestida e suja, causava pena.
Seus vestidos esfarrapados mal cobriam seu corpo esquelético, mas tinham invariavelmente dois grandes bolsos onde ela carregava pedras de tamanhos variados, essa estranha munição era usada em varias ocasiões e sempre alguém se machucava, os moradores do lugar já não se assustavam com os ataques de fúria daquela criatura infeliz; Filó peregrinava o tempo todo sempre bêbada, mas não incomodava ninguém se a deixassem em paz.
A dificuldade era que os jovens achavam uma graça enorme em perturbar a tranqüilidade da coitada, ela revidava sempre e depois de suas arruaças chorava até dormir em qualquer canto; raras vezes a policia intervinha, quando isso acontecia era para dar razão aos jovens desocupados e maldosos filhinhos de papai; desde que o mundo é mundo o poder do dinheiro é mais forte e injustiças são cometidas por causa dele.
Para Filó pouca coisa bastava, um pedaço de pão ou um prato de comida e goles de sua amada cachaça; felicidade fácil de ser conseguida porque o povo de Cambará era caridoso e sempre atendia a seus pedidos, por mais bêbada que estivesse ela agradecia com humildade e cortesia a quem lhe atendia, mas o tempo passando e tudo acontecendo no mesmo ritmo: Filó no meio da rua pedindo ajuda e atormentada pelos rapazes.
Só uma coisa deixava a ébria maluca, era um versinho de pé quebrado e sem sentido que falava assim: ô Filó, ô Filomena se eu fosse como tu.... tirava a mão do bolso e... enfiava no outro bolso, ao ouvir o tal verso ela perdia a paciência e começava seu show costumeiro; xingava palavrões as dúzias, depois esvaziava os bolsos atirando uma chuva de pedras e para finalizar levantava a saia e exibia o traseiro magro e preto.
Em suas poucas horas de lucidez ela dizia: qualquer hora dessas eu me mato, ninguém acreditava naquelas ameaças porque conversa de bêbado não se leva a serio, mas um domingo em que ela foi perturbada varias vezes a ameaça se cumpriu; Filó encheu bem seus bolsos de pedras e se dirigiu para o Ribeirão dos Gansos onde se atirou, alguns pescadores tentaram salva-la, mas ela afundou rapidamente com o peso dos bolsos cheios de pedras e se afogou; o remorso ainda persegue aqueles vadios.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA