CARRO DE BOI
CARRO DE BOI
Durante o ano todo Cidinha estudava no Grupo Escolar Quincas Tenório, o único da cidade de São João da Serra; ela freqüentava as aulas do turno da manhã, voltava para casa e depois do almoço brincava um pouco na rua com as crianças vizinhas, em seguida ia ajudar sua mãe no trabalho diário de fazer doces, sequilhos, roscas e bolos de encomenda para as festas do lugar; dona Isaltina era a melhor doceira da região.
Ajudando sua mãe a pequena Cidinha ajuntava o útil ao agradável: útil porque estava aprendendo uma profissão e agradável porque ela gostava de ajudar dona Isaltina no preparo dos doces; estudando e trabalhando a menina esperava ansiosa pela férias de fim de ano, época em que ia para a Fazenda Casa Verde de propriedade de seu tio Lucio, lá ela se divertia muito, mas o que mais gostava era do carro de bois.
Aquele carro enorme puxado por três juntas de bois era o sonho de Cidinha, ela passava o ano todo esperando a hora de ser levada por ele até a fazenda e criando coragem para fazer um pedido inusitado ao severo tio, mas os dias passavam, as férias terminavam e o misterioso pedido não era feito, mas naquele ano ela se chegou ao tio e disse; tio Lucio me deixa conduzir os bois do carro ? ele tomou um susto e disse: onde já se viu?
Com a insistência da sobrinha ele explicou; meninas não conduzem bois de carro, esse é um serviço reservado aos homens, por isso se diz que o condutor se chama carreiro e o menino que vai na frente se chama candieiro tudo no masculino, entendeu Cidinha? Entender ela entendeu, mas desistir não desistiu porque ela sempre sonhara em conduzir um carro de bois; o carreiro da fazenda era o Francelino e o candieiro o Tinim.
Os dois eram amigos da menina e durante a lida carreando coisas variadas, deixavam que ela viajasse de carona em cima da carga e varias vezes foram advertidos pelo patrão, que não achava próprio de mocinhas aquela mania; pela amizade Francelino resolveu ensinar os mistérios da condução dos bois a Cidinha, em pouco tempo ela com um chuço na mão conduzia com perfeição as parelhas de bois e sabia o nome de todos.
Quando seu tio descobriu ficou zangado e disse: vamos ver se você aprendeu mesmo, carregou o carro com sacas de milho e mandou que ela guiasse os bois até o pátio da fazenda, ela fez tudo certo e o tio achou muita graça no final; para alegria de Cidinha ele permitiu que ela conduzisse o carro carregado até a cidade e foi um divertimento para a comunidade a passagem de um carro de bois conduzido por uma menina.
Cidinha estava no céu, usando a vara de ferrão com sabedoria enfileirava os bois, de vez em quando retirava o chapéu de palha que usava e cumprimentava o alegre publico, seu tio todo orgulhoso seguia atrás do carro e se aproveitava do sucesso da sobrinha distribuindo sorrisos para todos; chamando os bois pelos nomes ela os enfileirava e seguiam em perfeita ordem; o carro pesado cantava com os eixos untados de óleo.
De repente apareceu dona Isaltina muito zangada, tomou a vara de ferrão da filha, dizendo: era só o que me faltava, uma filha carreando como um moleque, mocinhas de família não trabalham de carreiro ou carreira sei lá como dizer, lugar de menina é na escola estudando ou na cozinha aprendendo arte culinária para ganhar a vida e no futuro agradar ao marido; virou-se para o irmão e disse: Cidinha não volta mais em sua fazenda Lucio e nunca vou te perdoar; ai terminou o sonho da menina.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA