DECISÃO DE FUTRICA, A CADELA RELÓGIO 
                 (Hull de la Fuente)

A noite chegou e o prato de comida continuava ali, intacto. Nem a vasilha com água foi tocada. Sua garganta estava como que fechada pela dor da separação. 


Amanheceu e a rotina na fazenda recomeçou. Futrica mal dormiu. Seu corpo,  fora sacudido por soluços, de tempo em tempo. Então seu Ezequiel aproximou-se dela. Preocupado, o homem falou docemente: 


_Sinto muito, Futrica! Mas você não podia continuar lá onde você estava. Você terá que se conformar que a sua casa agora é aqui.
Não adianta ficar sem comer. Você está só pele e ossos. Foi por isso que eu tirei você de lá. Vamos, levante-se daí, vamos ao curral. Ta na hora da ordenha.
 

Obediente, ela o acompanhou sentindo o estômago exigir algo, mas o nó continuava na garganta. 


O curral ficava perto da porteira da fazenda, a porteira por onde ela entrara para aquele mundo novo. Seu Ezequiel conversa o tempo todo com ela. Ele é bom, mas não é da sua gente.


Ele ordenhou a primeira vaca e com o leite ainda quente, encheu uma tigela e a depositou diante da cadelinha triste.

_Futrica, minha linda! Beba do leite, você vai gostar!
 

O homem sorri e se afasta dela. O cheiro bom do leite é irresistível. 


Futrica tomou todo o leite. Isto deixou Ezequiel feliz. Depois, enquanto ele prossegue na ordenha, ela afasta-se e vai em direção da porteira que poderia ser a porta de retorno pra sua antiga casa. Sente-se mais forte.


Sim, a porteira fica exatamente no limite da fazenda e o modesto sítio onde ela foi criada. Ela poderia voltar sozinha pra sua gente, mas em sua mente ficou gravada aquela expressão de alívio de sua família. Ela sabe que não será aceita de volta. Futrica olha pra seu Ezequiel, ele parece pressentir e também olha pra ela.


Parada diante da porteira, Futrica decidiu ficar ali, entre os dois mundos, o antigo e o novo.
 
Decidida, escolheu um dos mourões da porteira onde a sombra era acolhedora naquele horário da manhã e deitou-se. Mas, à medida que o sol caminha, a sombra do mourão também muda de lugar. E Futrica também segue o movimento da sombra.


Lá do curral de ordenha, Ezequiel observa o movimento de Futrica, tal qual o ponteiro de um relógio. 


Todos que passam perto daquela porteira, podem ver uma cadelinha solitária, que decidiu ter por companhia a sombra de um mourão. Sombra que a obriga a mudar de lugar junto com ela. Mas o pior momento é quando dá meio dia, pois sua amiga sombra desaparece e ela fica só, sob o sol causticante.


A sombra só voltará depois das três da tarde. 


Esta é a real história de Futrica, a cadelinha que dividiu o coração entre o amor da família que a criou e a gratidão por Ezequiel, que a acolheu. Por isso ela decidiu ficar entre os dois mundos: a fazenda e o velho sítio. Só à noite ela volta pra sede da fazenda. Futrica ainda não quis fazer amizade com seu velho pai. O cachorrão fica lá dormindo dia e noite. Ela o acha muito inativo.


Ezequiel a rebatizou com o nome de “Ponteirinho”, pela atividade que ela desenvolve no mourão da porteira. Basta ele olhar a posição de Futrica e conferir em seu relógio, o horário está sempre certo. 


E esta é a rotina de Futrica, a    cadelinha que durante o dia auxilia o relógio de seu Ezequiel. Quem passar pela porteira da fazenda na fronteira de Goiás com Mato Grosso, vai poder conhecê-la.

 

                                       Fim

                                  
                                               (Hull de La Fuente)



Hull de La Fuente
Enviado por Hull de La Fuente em 06/10/2008
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