REPENTISTA

REPENTISTA

Era um cidadão honrado e apreciado, Seu Zé não aborrecia ninguém apesar de seu habito de trovar tudo e todos: era um repentista, as pessoas passavam perto de seu Zé e sabiam que seriam mote para um versinho bem humorado, mas não se ofendiam, achavam graça na mania do velhote; havia naquela vila uma pessoa que impunha respeito, era o delegado Zurico e com ele Seu Zé não se engraçava.

Os amigos perguntavam ao poeta quando é que ele ia fazer um verso para o carrancudo delegado, e ele respondia: versejar para a autoridade é sinal de insanidade, e na certa trará insalubridade, todos riam e mudavam de assunto; João da Tuta apostou dez mil reis com Lazarino Caolho que seu Zé acabaria por fazer uma trova a respeito do temido delegado e ficaram aguardando os acontecimentos, o tempo passava e o trovador mantinha sua ´posição de respeito e também de temor por Zurico.

Naquela época a cadeia da vila estava esburacada como um queijo suisso e os presos fugiam com a maior facilidade, deixando a autoridade bufando de raiva, Zurico saia a caça dos fugitivos e quando apanhava algum dava-lhe uma surra para servir de exemplo para os outros, mas não funcionava e as fugas continuavam, deixando o delegado maluco com a precariedade da cadeia e o atrevimento dos presos.

Certo dia ele teve uma idéia que considerou brilhante, mandou os presos se despirem e disse: quero ver alguém fugir pelado, depois disso o delegado ficou tranqüilo achando que o assunto estava encerrado, mas ele estava totalmente enganado, como provou os acontecimentos subseqüentes; os presos tem idéias próprias e as vezes surpreendem até ao delegado mais experiente, com sua audácia.

Em uma noite de lua cheia, as famílias tomavam ar fresco na única avenida do lugar, as senhoritas desfilavam no centro da avenida acompanhadas pelos pais e nos passeios laterais ficavam os jovens cavalheiros de chapéu na mão, lançando olhares a lá Rodolfo Valentino sobre as moças; estava tudo lindo até que um dos presos do delegado passou correndo no meio das famílias totalmente nu, foi um horror.

Senhoritas e senhoras desmaiavam, senhores irados corriam atrás do fugitivo, Zurico e seus soldados cercaram e acabaram segurando o infeliz, o arrastaram para a cadeia onde foi duramente castigado; no dia seguinte os fofoqueiros davam plantão em uma esquina e comentavam o escandaloso episodio, quando o delegado Zurico apareceu na rua, foi ai que seu Zé quebrou sua promessa de não fazer trovas sobre o delegado e disse: lá vem o delegado, tenham cuidado, vou me mandar ou ele me deixa pelado.

Os presentes caíram na risada, e quem se divertia mais era o João da Tuta que ganhou os dez mil reis da aposta com Lazarino Caolho, a historia terminaria aqui se um lingüeta não contasse ao delegado sobre o verso de seu Zé a seu respeito; Zurico mandou buscar o repentista e lhe disse: Seu Zé já que o senhor gosta tanto de versejar, vai ficar aqui na cadeia fazendo trovas, começa agora e só vai parar no fim do dia, devido a sua idade será só esse seu castigo, por me faltar com o respeito.

Aquele foi o pior dia da vida do pobre versejador, naquela velha e esburacada cadeia ele se tornou alvo das brincadeiras de todos que passavam por lá, Seu Zé cumpriu o castigo, fez trovas o dia todo e parece que gastou toda sua inspiração porque nunca mais fez um só versinho a respeito de ninguém e de coisa alguma; o povo sentiu muita falta das trovas e a Vila de São João se tornou menos alegre.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 03/10/2008
Código do texto: T1210379
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