PÃO SANGRENTO
PÃO SANGRENTO
A família Venâncio era o bicho papão da Vila de São João; rapazes fortes, boiadeiros bonitões e endinheirados se julgavam donos da verdade e do lugarejo; promoviam arruaças, entravam nos botecos a cavalo, dirigiam gracejos as senhoras e batiam nos maridos se achassem ruim, enfim assustavam e atormentavam a todos.
Sempre armados com enormes revolveres calibre quarenta e cinco, lenços no pescoço, botas enfeitadas, sobre calças de couro macio e recortado, chicotes nas mãos e chapéus tipo sombrero, os Venâncio eram o tipo perfeito do Tom Mis e Buck Jones do cinema mudo.
Se eles se limitassem a brincar de faroeste no Sul de Minas, os problemas seriam considerados pequenos, mas eles levavam a coisa a serio e roubavam gado dos fazendeiros vizinhos, mudavam a marca e formavam grandes manadas que levavam para vender nos grandes centros consumidores.
Tinham muitos empregados que ajudavam nesse trabalho desonesto, mas temendo represálias dos patrões se calavam; esse estado de coisas se eternizava, queixas e mais queixas eram levadas ao delegado Zurico que se esforçava para conseguir provas contra eles, mas esbarrava sempre em um muro de amedrontado silencio.
As coisas continuaram assim, até os terríveis irmãos começarem a afanar o gado de um fazendeiro amigo e compadre de Patotão, capataz dos desonestos boiadeiros; foi demais para o negro que avisou seu compadre em particular o que estava acontecendo, o fazendeiro deu queixa ao delegado e pediu providencias.
O delegado que não tinha medo nem de gente e nem de bicho, mandou intimar os arruaceiros para irem falar com ele na delegacia; na hora marcada eles chegaram, como sempre fantasiados de cow-boy e com seu ar de arrogância e valentia, foram entrando batendo nas botas com seus chicotes e armados com seus revolveres, falando alto e rindo.
O delegado Zurico exigiu silencio e mandou que o soldado da guarda os desarmasse, mas quando eles levaram as mãos as armas, o delegado que esperava aquela reação já os tinha sob a mira de seu temido parabelum; foram desarmados e a seguir interrogados sobre o roubo do gado, negaram tudo e se disseram vitimas de calunias.
Mas não souberam explicar de maneira satisfatória, a procedência do gado que possuíam no momento; ao saírem da delegacia humilhados e furiosos, se dirigiram à fazenda do denunciante e por meio de ameaças a ele e a sua família, obrigaram o pobre homem a lhes dizer quem o avisou sobre os roubos.
Assim que se livrou dos perigosos visitantes, o fazendeiro correu até a casa de seu compadre Patotão e contou o que foi obrigado a fazer; o capataz saiu de casa imediatamente e se dirigiu a vila para se proteger junto ao delegado Zurico, viajou rapidamente já perseguido de perto pelos irmãos Venâncio, o dia mal acabara de nascer, quando ele entrou na vila.
A única porta aberta àquela hora, era da única padaria do lugar e para lá ele correu e pediu a dona Julia esposa do padeiro que o escondesse ou seria morto pelos Venâncio; a mulher muito assustada pediu que ele não entrasse porque seus filhos dormiam ali perto, mas ele em apuros correu para dentro e se escondeu na estufa de crescer pão.
A estufa muito antiga tinha frestas nas paredes e de fora se via quem estivesse lá dentro, os Venâncio chegaram minutos depois e nem fizeram perguntas: se a única casa aberta era a padaria, o fugitivo só poderia estar lá e foram entrando indiferentes aos angustiados pedidos de clemência da esposa do padeiro.
Do lado de fora viram a sombra de Patotão dentro da estufa e o que vinha na frente abriu a porta com um pontapé e sem darem oportunidade de defesa ao homem, descarregaram suas armas sobre ele que caiu crivado de balas sobre um cesto cheio de pães, já caiu morto e os pães ficaram inteiramente cobertos de sangue.
Com o tiroteio o povo da vila acordou assustado, correram todos para saber o que acontecia e só viram o homem morto e a família do padeiro apavorada aos gritos; os Venâncio tinham fugido quando o delegado chegou, foram presos mais tarde e levados a julgamento, mas dois deles não estavam na hora do crime e estavam livres.
Os irmãos Venâncio que estavam soltos amedrontaram e coagiram as testemunhas e os jurados e nesse clima de terror os facínoras foram considerados inocentes, para surpresa das autoridades e do povo de Vila de São João; para alguma coisa a morte de Patotão serviu, porque o delegado Zurico não deu mais folga aos bandidos.
Aonde eles iam o delegado estava presente e o clima foi se tornando cada vez menos saudável para eles, acabaram entregando os pontos e se mudando para outras regiões; Vila de São João deu graças a Deus por se ver livre de gente tão incomoda e perigosa, finalmente a tranqüilidade voltou com a ajuda do Padroeiro.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA