SANTO FLAGRANTE
SANTO FLAGRANTE
Clara Rosa fazia jus ao nome, porque tudo nela era claro: a pele perfeita e muito branca, os claros olhos azuis, os cabelos louros quase brancos e os dentes lindos como perolas; era de uma beleza calma e suave, durante as missas ela encantava a todos executando com maestria musicas sacras no velho órgão da igreja de São João Batista.
Quando ela passava pelas ruas da cidade de São João Batista do Alto,as pessoas diziam: lá vai Clara Rosa, isso é uma moça de respeito, feliz do pai que a conseguir como nora; todos os rapazes da cidade procuravam agrada-la, mas ela não se interessava por nenhum deles, os anos passavam e nada mudava e assim ela chegou aos trinta anos.
Além de bela e musicista ela era prendada: ninguém como ela para fazer um bordado, um crochê, um tricot e era ainda cozinheira de forno e fogão, daria uma excelente esposa, mas ela continuava a recusar todos os pretendentes que apareciam; suas três irmãs menos belas e menos prendadas que ela, já estavam casadas a anos.
Ninguém entendia aquela mania da moça em continuar solteira, mas resolveram esquecer o assunto e deixaram Clara Rosa em paz; a areia do tempo foi rolando e a moça executando musicas sacras na igreja e trabalhando em seus bordados e crochês, sem namorados e aparentemente feliz, mas as coisas mudaram de repente e de maneira radical.
O vigário da paróquia de são João Batista estava idoso e bastante cansado, o senhor bispo da diocese enviou um padre jovem e saudável para colaborar com ele, a comunidade toda se alegrou
com a chegada do alegre e moderno padre, ele era um mulato simpático e bom de prosa, que passou a cantar lindos duetos com a apreciada Clara Rosa.
O povo se deliciava com os lindos hinos cantados pelos dois e ninguém se atreveria a duvidar da amizade do padre Espedito e da linda musicista; os dias passando, a musica rolando e todos felizes, mas o velho e sábio vigário começou a achar que era musica demais para seu gosto e passou a ficar de olhos bem abertos.
O idoso padre tinha o costume de dormir um bom sono depois do almoço, todos sabiam que naquele horário ele estaria ausente, ele dormia de duas a três horas, se levantava e fazia um bom lanche e só depois ele se encaminhava para a igreja onde passava o resto da tarde lendo calmamente seu breviário, essa rotina nunca mudava.
Mas o desconfiado vigário mudou tudo um certo dia, ele almoçou na companhia do gentil padre Espedito, como de costume desejou uma boa tarde ao ajudante e se dirigiu ao seu quarto para sua tradicional soneca, mas assim que o jovem padre se dirigiu para a igreja ele se levantou e foi atrás, lá chegando estranhou o silencio que reinava.
Não havia musica e nem hinos, mas ele viu um movimento no coro da igreja e foi verificar, subiu devagar a escada e escondidos atrás do órgão estavam o padre novo e a irrepreensível Clara Rosa aos beijos e abraços, o vigário quase rolou escada abaixo tamanho foi o susto, mas susto maior levaram os dois faltosos que não sabiam o que fazer.
Na verdade o estrago era irremediável porque o idoso vigário não quis ouvir explicações, se recuperou rápido do choque e ficou uma fera e aos gritos enxotou padre Espedito da paróquia e proibiu a moça de voltar a sua igreja; o pior foi quando desceram e deram de cara com meia dúzia de beatas, que iam rezar as orações da tarde,
As beatas correram para fora e trataram de espalhar as inacreditáveis noticias, foi um horror para todos e a cada minuto o tamanho do fato aumentava mais; o padre Espedito sumiu da cidade naquela tarde mesmo e Clara Rosa que não podia fazer o mesmo agüentou os murmúrios maledicentes; nunca mais tocou no órgão da igreja, viveu muitos anos e morreu solteirona e mal falada.
Maria Aparecida Felicori{vó Fia}
Texto registrado no EDA