Sonho
O fato foi que se deu conta com o reflexo das nuvens brancas colorindo o céu azul-infindo que mal acordara e que já clareava toda a terra ao seu redor, sem se preocupar se pobres seres de consciência ativa, preocupados em começar logo a viver ainda nem haviam adormecido.
Sonhara, sem sequer adormecer com tantas coisas belas da vida que não tinha, da vida que sonhava, sempre sem ao menos fechar os olhos. Não precisava. Com os olhos abertos, as coisas reais tomavam cor. Com eles fechados, as coisas que existiam eram surreais demais. Sabia que elas existiam, mas que poderiam ser diferentes.
Naquele sonho sem fim, que fazia com que se perdesse em meio a seus pensamentos, seus universos que criavam e recriavam sonhos e projeções perfeitas em sua mente, se deu conta de que não existia realmente. Não como todos os outros. Ou talvez, existisse sim. Os outros é que não tinham esse privilégio.
No sonho, que talvez fosse realidade, não sabia, se deparava com fatos confusos, que clareavam a mente do pseudo-pensante-espectador, que por si só, não se encontrava em outra mente, a não ser da do ser que sonhava.
Quando criava personagens extintos em seus sonhos, personagens inanimados, personagens sem tom, cor ou som, esses sim conversavam, criavam, sentiam. Quando encontrava com seres reais, apenas mais coloridos do que o normal, os pobres não sentiam tal presença. Ignoravam pro completo seu sentido. Pássaros não levantavam vôo quando passava, pernilongos não se espantavam quando abanava os braços, homens não se importavam com a estranheza das suas roupas. As nuvens, os animais virtuais, os amigos imaginários tão sonhadores quanto o próprio sonhador, tão criadores quanto o próprio criador, porém, estes sim percebiam o quanto sua presença fazia diferença.
Por isso, não hesitavam em ouvir, em obedecer, em cumprir seus papéis de amigos. Sonhados o tempo todo, nuvens eram bruxas e fadas, águias e bem-te-vis, cordeiros e lobos; sóis eram grandes e pequenos, azuis e avermelhados, encobertos e vivos; árvores eram verdes e amarelas, altas e franzinas, baixas e robustas. Decidiam-se.
Até que aos poucos foram sumindo. Todos eles. Árvores, nuvens, sóis, estrelas, amigos, fadas e bruxas. Somente nesse dia se deram conta de que um ser-sonhador a menos existia no mundo. Sem criador, e agora com criaturas extintas. Afinal, o material dos sonhos, quando são sonhos de verdade, não se guardam de geração em geração. Se vão com os pobres sonhadores que sucumbiram ao mundo.