Bico de Ouro
Bico de ouro (Sérgio Prado)
Paula morava com sua mãe numa casinha muito simples, mas aconchegante, pois lá tinha algo grandioso: o amor imenso entre mãe e filha.
Uma manhã, a menina saiu para o quintal e olhando para o varal viu um pequeno pássaro enroscado entre as roupas ao sol e com uma das asas ferida.
Chamou por sua mãe para ver o animalzinho que era simplesmente um encanto, lindo, fascinante, com penas amarelas e as pontas das asas verdes claras.
- Mãe! Posso ficar com ele?
- Melhor não filha. Ele deve ser livre, livre como pássaro tem que ser.
A menina, muito obediente, concordou com a mãe, mas argumentou:
- Pelo menos deixa cuidar do ferimento dele, depois eu solto.
A mãe, muito compreensiva, concordou com a filha.
- Mas depois que ele melhorar você deve soltá-lo.
Paula cuidadosamente aproximou do pássaro e esticou a mão bem pertinho do bichinho. O pássaro, num esforço total, desenroscou e desceu pelo braço da menina até se aconchegar em seu ombro.
- Viu mãe, ele gostou de mim.
A menina, com todo carinho e meiguice, cuidou do pássaro como uma mãe cuida do filho e em menos de uma semana o pássaro já voava por toda casa.
- Está na hora de você soltá-lo, filha. Nós combinamos.
E a menina sempre obediente, levou o pássaro para o quintal, segurou com suas mãos e jogou-o para ar.
- Vai meu bichinho lindo, vai!
E o pássaro subiu, bateu as asas e retornou para os braços da menina.
- Mãe, ele não quer ir.
- Filha! Solte-o.
E novamente ela arremessou o pássaro e novamente ele voltou para a menina, pousando sobre sua cabeça.
E com aquela meiguice que lhe é peculiar a menina disse para mãe:
- Mãe! Ele não quer ir.
- Tente mais uma vez filha. Ele não nos pertence. Ele é do mundo.
E lá foi Paula dessa vez com mais entusiasmo, jogou o pássaro para o ar e saiu correndo para dentro de sua casa, escondendo do animalzinho, bem debaixo da mesa.
Ficou escondida por alguns segundos e quando saiu do esconderijo, lá estava o pássaro olhando para a menina agarrado na encosta da cadeira.
- É mãe, ele não quer ir embora. Ele quer mesmo é a gente.
A mãe sorriu e disse:
- Certo, filha. Vamos ficar com ele.
A menina fez a maior festa.
- Vou dar um nome para ele.
E pensou, pensou, pensou, mas não conseguiu descobrir um nome. Então foi para o quintal e olhou para o varal e suspirou aliviada.
- Já sei. Você vai se chamar Varal.
A mãe achou estranho o nome, mas acabou gostando.
O pássaro mudou a vida das duas. Ele era muito especial. Parecia o irmão mais novo de Paula.
Brincavam de esconde-esconde, de pega-pega, de assustar.
É! De assustar. Todos os dias, quando Paula acordava, Varal ficava na espreita, do lado de fora do quarto, e quando a menina passava pela porta, ele dava um rasante e assustava a menina. Ela sabia, mas não tinha jeito, o susto era inevitável.
Mas um dia, Varal estava lá esperando a amiga acordar para assustá-la, mas ela estava demorando a sair. Ficou inquieto e entrou no quarto. Voou desesperado quando viu a amiga, na cama e enferma, amparada pela mãe.
Varal voou pelo quarto e pousou bem pertinho do ouvido da menina e cantou, cantou como nunca havia cantado. Cantou tão lindo e carinhosamente que a menina, subitamente se curou. Varal era realmente um amigo especial.
E dia após dia, os amigos se divertiam juntos. Brincavam o tempo todo. Inseparáveis.
Mas numa manhã, Paula procurou pelo amigo, mas não o encontrou. Procurou atrás da cadeira, debaixo da mesa, atrás da porta, do fogão e nada e lamentou:
- Mãe! Acho que Varal resolveu ir embora.
Acalentando a filha, a mãe disse:
- É assim mesmo filha. Ele pertence à vida dele.
A pequena, desolada, sentou-se no degrau da escada da porta do quintal e olhava com esperança para o ar, mas não via o amiguinho. Olhou, então, ao lado da escada e viu ali, o pássaro amuado, esticado, tremendo, quase morto.
Desesperada a menina chamou pela mãe, pegou o pássaro nas mãos, assoprou, assoprou e ele não se recuperou.
- Ele vai morrer mãe...
A mãe preocupada com a menina, já ia começar a chorar também, quando ouviu docemente da boca da filha uma linda e suave canção.
Paula cantou, cantou como nunca havia cantado antes.
Acredite. Varal melhorou. Ela era uma menina especial.
Porém, num certo dia, a mãe de Paula adoeceu e não tinha como comprar remédios para curá-la do mal. Elas eram muito pobres.
Um homem lhe propôs:
- Vende para mim seu pássaro e com o dinheiro você poderá ajudar sua mãe.
Paula chorou, Varal chorou e a mãe do Paula chorou.
A menina pensou: “Eu cantei e Varal melhorou. Vou cantar e minha mãe vai melhorar”.
Paula cantou, cantou como nunca havia cantado, mas sua mãe não melhorou.
O passarinho vendo o desesperou da amiga, começou a cantar. Cantou, cantou como nunca havia cantado antes, mas a mãe da amiga não melhorou.
Paula vendo o esforço do amigo começou a cantar junto. E os dois cantaram, cantaram como nunca haviam cantado antes, podem acreditar. A mãe de Paula então melhorou. Eles eram, realmente, amigos especiais.
A menina, então não vendeu Varal. E a alegria passou a ser constante naquela humilde casa.
Varal era um amigo incomum. Ele era realmente muito lindo!
D livro Meninas e Menino , editora Topázio, Araras-SP
Sérgio Prado