O CASO DAS CALCINHAS
O CASO DAS CALCINHAS
No passado, muito no passado mesmo, as moças de família eram consideradas santas, pena que não eram, eram apenas moçcas alegres e travessas como as do presente, só que mais sorrateiras, pelo pavor infundido pelos pais, verdadeiros feitores de donzelas; como todas as outras Maria Alice tinha muito medo de seu velho pai, mas era namoradeira e as vezes se excedia nas brincadeiras com seu namorado.
Em uma dessas brincadeiras ela lhe deu de presente duas de suas calçinhas, uma cor de rosa e outra amarelinha, mas por azar seu nome estava bordado com muito capricho por dentro do cós das mesmas e o rapaz para ter sonhos agradáveis, colocava debaixo do travesseiro suas prendas a noite e retirava pela manhã, mas uma só vez ele se esqueceu de guarda-las e foram encontradas por dona Vicência , sua mãe.
A senhora ficou escandalizada e querendo se vingar, do que considerava um desproposito e um atentado ao pudor, deu as duas pecinhas de presente a sua lavadeira, a negra Conceição; a lavadeira não fez por menos, saiu exibindo seus troféus e contando horrores da pobre Maria Alice por toda a periferia da Vila de São João e tanto falou a lavadeira no assunto desonroso, que a apavorada mãe da mocinha descobriu.
Dona Antonia, a mãe de Maria Alice tentou de todos os modos sigilosos a seu alcance, reaver as tais calcinhas, mas as propostas de lucro fácil feitas a crioula foram em vão, ela preferia ter um bom assunto na bica de água com suas colegas de profissão e ter provas; a coitada da senhora já desesperada, procurou o delegado Zurico em particular e pediu ajuda para resolver em segredo o melindroso caso.
Zurico prometeu dar um jeito e depois que a dona se foi, ele deu tratos a cabeça para achar uma solução honrosa para o considerado escabroso assunto, pensou e pensou e achou; a noite se dirigiu a casa de Conceição e lhe ofereceu uma peça de dez metros de Morim Ave Maria, em troca das faladas calcinhas; a malcriada lavadeira lhe disse que gostava das peças e não faria negocio de jeito nenhum.
E para completar ela disse que o pais era livre e ela também, ficava o dito por não dito, mas por azar da mulher, o delegado era amigo da família da moça e apesar de estar muito escandalizado com o ocorrido, partiu para a grosseria e perdendo a paciência, deu valente surra na linguaruda, apreendeu as já famosas peças intimas, mandando a crioula se calar, ou seria presa até ficar muda.
Chegando em casa ainda muito zangado, mandou sua senhora dona Marica chamar as interessadas no caso, entregou as calcinhas a legitima dona e lhe deu sérios conselhos, ameaçando contar a seu velho e bravo pai, se qualquer coisa errada acontecesse dali para a frente; pediu em seguida a mãe da doidinha que lhe desse o merecido corretivo ali mesmo, para que o pai dela não percebesse nada.
Em vista da recusa da senhora em exemplar a filha, pois considerava o ocorrido uma brincadeira, agora que já estava tudo resolvido; o truculento delegado perdeu novamente a paciência e deitando a jovem nos joelhos aplicou-lhe duas dúzias de palmadas, uma para cada calcinha, e de sobra passou tremenda descompostura na tranqüila e tolerante mãe de família e o caso das calcinhas indiscretas ficou por isso mesmo.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
texto registrado no EDA