SOLITARIO PIERRÔ

SOLITARIO PIERRÔ

Falar de Lena é fácil: moça bonita, morena faceira, olhos muito verdes e corpo bem feito e forte, assim era a cria de Sonego cidadão respeitado e caridoso de Vila da Fonte; mas falar de Lorentino já não é tão fácil, filho de ótima família, nem feio e nem bonito, rapaz muito bem educado, mas considerado de atitudes estranhas pelo povo daquela vila, não que fosse tarado ou coisa parecida, mas porque era calado e tristonho chegando ao limite da falta de graça: dormia o dia todo e passeava a noite como um lobo solitário, acompanhado só pela lua.

Ele só era visto em sociedade nas noites de bailes do seleto e pequeno clube do lugar, era o primeiro a chegar e o ultimo a sair, elegantemente vestido ele chegava e se encostava sempre na mesma parede e lá ficava a noite toda empertigado quase fúnebre, ouvindo a musica sem falar e sem sorrir; lá pelas tantas ele atravessava o salão pisando duro tipo soldado prussiano e convidava uma das moças presentes para dançar, agarrava a infeliz pela cintura, chamava no peito meio de lado como se fosse dançar um tango argentino e varava o salão de lado a lado em passo de marcha.

Não lhe interessava a musica executada no momento, ele possuía seu ritmo próprio e quando a ignorada musica parava, ele fazia uma reverencia de corpo duro em agradecimento a dama e voltava a sua amada parede onde ficava até o baile terminar; aparecia também em publico na ultima noite de carnaval, todos os anos vestia uma luxuosa fantasia de pierrô cor de rosa e ficava a noite toda segurando um bandolim, com a cabeça pendida para o lado esquerdo e no rosto pintado de branco uma expressão de mortal tristeza e tédio, era o pierrô mais pierrô desse mundo.

Com todas essas manias era considerada absurda a possibilidade de Lorentino arranjar uma namorada, pois arranjou e justamente a faceira Lena de Sonego, nem é preciso dizer que ela estava apelando pela falta de rapazes casadoiros daquele pacato lugar, mas ele estava sinceramente apaixonado, ela vinha de vários namoros anteriores e ele estava na gloriosa estréia, era visto todas as tardes se dirigindo a casa de Sonego todo empertigado com um saquinho de balas na mão, chegando ao exagero de cumprimentar as pessoas na rua.

Durante dois anos Lorentino e Lena foram namorados, passaram então ao estagio de noivado e quando o casamento foi marcado com o prazo de três meses, chegou na vila um circo de touradas, como todo circo possuía um toureiro que acima de suas artes no picadeiro era alegre, bonito e metido a conquistador; o circo foi armado pertinho da casa de Sonego e o toureiro que se chamava Deusolino logo viu Lena e se apaixonou pela morena, ela retribuiu a paixão e em duas semanas se casou com ele, quando a noticia do inesperado casamento se tornou publica foi um escândalo.

Diziam: imagina a moça de casamento marcado com Lorentino e de repente se casa com um toureiro, que coisa absurda, que falta de vergonha, mas estava feito e no mesmo dia o circo se foi e toda sorridente lá estava Lena na boleia do velho caminhão, abraçadinha a seu bonito e alegre toureador; o povo da comunidade respeitou por alguns dias a dor e humilhação de Lorentino, mas o respeito durou pouco e logo alguém disse com malicia para ele: como é Lorentino ficou sem a noiva, bobeou e o toureiro levou, né?

A resposta veio rápida e brusca: é fiquei sim, mas ela fica bem é com ele mesmo, pois para um bom toureiro uma boa vaca e lá se foi pisando duro e sem olhar para os lados, fechado em sua dor e em seu orgulho; lorentino voltou a suas antigas manias, tornou-se ainda mais estranho, viveu ainda muitos anos dormindo o dia todo e vagando a noite suspirando por seu amor perdido; o povo de Vila da fonte jamais deixou de rir as suas custas e a custa de sua resposta quando perdeu Lena, ninguém o entendeu e nem o confortou, viveu só e morreu só, apenas com a lembrança de sua ingrata Lena.

Seu destino se cumpriu, foi um Pierrô sem Colombina.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

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Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 22/09/2008
Código do texto: T1191728
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