FALA O DIABO - XII
- Oi. Desculpa, não queria acordar você.
Ela está de pé na sua frente. Com os pés descalços, corre por entre as flores, dando pequenas risadinhas, como uma garotinha. Está com um confortável vestido roxo de seda, com alças e sem bordados. Você cochilou no gramado do jardim, que se estende planamente como um tapete verde, e nem percebeu. O clima está extremamente agradável. O sol declinante brilha mansamente por entre as nuvens. Há um vento brando, que move delicadamente as folhas e as pétalas, espalhando um suave perfume no ar.
- Não, tudo bem. Dormi muito? Como você está? Há quanto tempo está aqui?
- Calma, guri. Uma pergunta de cada vez. Não precisa ficar nervoso só porque foi descoberto relaxando.
Você sorri. Ela o conhece. Não tão bem quanto poderia, mas o suficiente para te deixar confortável em sua presença. Ela o acalma, quase o alivia. Mesmo os anos em que não a viu, não apagaram sua imagem quase mágica.
- Cheguei há pouco, você já estava dormindo – ela afirma, com sua voz delicada. - Não sei por quanto tempo você dormiu. Estava por perto e resolvi passar aqui, pra te dizer que eu tenho que ir embora. Viajo essa noite.
A notícia o surpreendeu.
- Caramba! Você acabou de chegar. Porque tão depressa?
- O Otávio. Sabe como ele é possessivo. Nem queria que eu viesse, mas teve que ceder. Ele me quer lá. E isso era pra ontem!
Você se levanta. Sente a grama fresca sob os pés. Então percebe porque ela está descalça. Olha os lírios e as tulipas, sombreadas pelo carvalho, ao seu redor. Volta o olhar para ela. Está furtiva, contemplando o horizonte. Sua silhueta resplandece com os últimos raios do sol, que deixam o céu com uma coloração rosada. É novembro, o mês com o pôr-do-sol mais bonito do ano.
- É lindo aqui. Deveria ter visto isto antes – a voz dela é baixa, quase um sussurro. – As coisas poderiam ter sido bem diferentes, não é?
Você não responde. Não entendeu a pergunta. Continua olhando para ela, mas ela ainda está absorta, concentrada em algum lugar.
- Não é?
Ela pergunta de novo. Vira-se para você, esperando uma resposta. Encara seu olhar. Sua face está enigmática. Nenhum traço, nenhum tipo de linha reconhecível aparece em seu rosto. Você nunca a viu assim. E, como sempre diante do novo, não sabe como agir, não sabe o que dizer. Então continua calado.
Ela dá um passo na sua direção. Com a mão direita, toca seu rosto.
- Então, guri. Não sabe o que dizer? Estou falando que as coisas poderiam ser diferentes. Você não acha?
- Muitas coisas poderiam ser diferentes. Mas não estou entendendo aonde você quer chegar com isso.
- Hum... Tudo bem, vou ser mais direta. Poderíamos estar juntos, se você não estivesse tão ocupado com tudo aquilo para se apaixonar naquela época...
- Bem, aquele foi um tempo difícil. E você me ajudou muito, mas nunca te vi dessa forma. Mesmo assim, quando eu estava pronto, você foi embora, sem nem mesmo dizer “tchau”.
- E você achou que eu te esperaria pra sempre? Eu simplesmente não suportei ver você se destruir daquela forma!
Um silêncio sepulcral paira repentinamente sobre ambos. As faces tornam-se sombrias.
- Então, você estava...?
- Apaixonada? Oh, que bobo você! Você nunca percebe, não é? Está sempre tão ocupado com seus pensamentos, com seus livros, consigo mesmo, que nem sequer se dá o trabalho de olhar para o lado! Parece que não consegue ver a dois passos de distância!
A voz dela é rude, quase ofensiva. Os olhares se perdem. Nenhum dos dois se sente à vontade para falar sobre isso. Para você, o tema tinha se encerrado há tempos. Mas certamente ela não pensava da mesma forma.
- Desculpa, guri. Não queria ter feito isso. Eu... preciso ir.
Sem te beijar, sem te tocar, ela se vira e se afasta rapidamente, com passos largos, quase correndo. Você não a vê se afastar, não a sente ir embora, não percebe que ela olhou para trás diversas vezes. Seu olhar está fixo nos lírios. É uma fase nova da sua vida, e não está disposto a se perder nas sombras do passado, mesmo que esta seja a melhor parte dele.
Diana. Ela se chama Diana. Durante muito tempo, foi a única em que podia confiar. Com ela, você conheceu não apenas a beleza, não somente o doce e amoroso olhar de seus olhos castanhos, ou o belo sorriso que prometia felicidade e um carinhoso conforto; você encontrou também, sob as camadas graciosas, tudo que havia de pavoroso e obscuro, toda a aridez, todo o medo, todo o deixar-morrer. Sua volta há alguns dias foi tida como presságio de uma amizade renovada. Mas agora, isso não mais importa. Ela se foi. Definitivamente. E não há nada que se possa fazer. Isto desmoronou.
A noite chega, e com ela a lua cheia. O jardim é iluminado por uma luz prateada, tão bela quanto aquela guria que povoa seus pensamentos. O vento, quente e seco, sopra gentilmente em sua face, como um toque com carinho, anunciando o verão. Extasiado, você adormece. E sonha, agradável e agradecidamente.