Companheira da manhã
1
Eu começava a sentir a cabeça doer. Claro, era o excesso de bebida. Pudera! Estava bebendo desde as duas horas da tarde, quando saí de casa para aquela que se transformou na tarde mais feliz de minha vida. Agora, quase meia noite, eu só sentia o coração bater junto aos meus ouvidos. Olhei em volta e vi que não encontraria solidariedade junto às pessoas que estavam à mesa. Peguei o copo gelado e passei na testa, à procura de alívio. Em vão.
Meu xará, Alberto, percebeu meu gesto e começou a rir.
– Não diante nada – disse. – Ele está com dor de cabeça! – avisou, gritando. Eu fiquei com raiva e mandei que ele calasse a boca. Mas não adiantou. Alberto continuava rindo. – Ele está bebendo desde a hora do almoço. Não fica bêbado, mas da dor de cabeça ele não escapa – completou, rindo, feliz.
Estávamos juntos desde o momento em que nos dirigimos ao Maracanã. O grupo era grande. Além de Alberto e eu, havia umas amigas dele – todas bonitas, aliás – e uns três casais muito antipáticos. Fomos todos juntos, ocupamos nossos lugares e curtimos a vitória. Enfim, o Flamengo era campeão brasileiro. Alberto, sempre politizado, gritava que aquele campeonato era o fecho de ouro da luta pela anistia, numa alusão à Lei que entrara em vigor no ano anterior.
Era o tipo do comentário ao qual ninguém dava importância. Ri para ele. Afinal, depois daquele gol do Nunes, que saiu quando tudo parecia perdido, qualquer comentário era pertinente. As amigas dele também sorriam felizes. Abraçavam Alberto, a mim e se abraçavam, não sabendo direito o que dizer. E foi com alguma dificuldade que saímos em direção ao carro. Eu tentara sair antes da entrega da taça ao Zico. Mas era ao que elas mais queriam assistir. Somente após a volta olímpica, admitiram partir. E lá fomos nós em direção ao carro, estacionado junto a uma das muitas transversais da Avenida Maracanã. A distância era grande. Mas na ida ao estádio, a ansiedade diminuiu a distância. Agora, era a felicidade.
2
As amigas de Alberto queriam continuar com a festa e seguimos, então, em direção a Copacabana. Sentamos em um barzinho próximo à Praça do Lido e ali ficamos bebendo. Logo, outros amigos nos encontraram e a animação só aumentou. Tudo aquilo acontecera há algum tempo. Para mim, parecia uma eternidade. Conferi as horas no relógio e vi que já passava da meia noite. Era hora de ir embora, pensava eu. Mas algo me prendia ali. E eu ia ficando.
Em determinado momento, elas despediram-se de Alberto, abraçando-o carinhosamente. Uma delas veio até a ponta da mesa onde eu estava e me deu um beijo na boca. Ante a minha surpresa, disse que era para comemorar o gol de Nunes. E sorriu para mim, querendo que eu tomasse alguma atitude. Mas eu nada fiz. E ela, decepcionada, voltou a sorrir e se despediu.
Ficamos à mesa apenas Alberto, eu e Ronaldo, um amigo comum. E foi dele, Ronaldo, a idéia.
– Vamos entrar na boate – e apontou para a Praça do Lido. – Vamos às mulheres! – proclamou. No que foi apoiado entusiasticamente por Alberto.
Eu, claro, acompanhei os dois. Propus, então, que fôssemos a um piano-bar. Minha justificativa era conhecer o proprietário. Na verdade, não queria ir a um lugar com música muito alta, para não piorar a dor de cabeça. Fiz a proposta convencido de que seria rejeitada. Mas, para minha surpresa, eles concordaram. E para lá caminhamos. E na curta distância entre o barzinho e o piano-bar tivemos de confraternizar com uma grande quantidade de rubro-negros e até com algumas moças, profissionais da noite.
Alberto fez um comentário preconceituoso quanto a elas e entrou rindo no Bar Men Club, onde fomos recebidos por Rocha. Não precisei dizer nada. Dei-lhe um abraço e fui levado a uma mesa próxima do bar, onde algumas pessoas, sozinhas, bebiam e observavam o ambiente.
Rocha era o proprietário do piano-bar. Seu nome verdadeiro ninguém sabia. E fazia questão de ser chamado de Rochá, à francesa. Contava ser filho de um combatente da II Guerra Mundial contra os nazistas. Era membro da Resistência, mas teve de fugir para o Brasil logo após a vitória dos aliados. Ninguém sabia a razão e ele, quando perguntado, desconversava. Ele era brasileiro, embora procurasse manter certo sotaque na pronúncia. Conhecia como poucos os segredos da noite do Rio e não escondia de ninguém que gastava “muito dinheirro” para manter sua casa em ordem, com algumas profissionais escolhidas a dedo. Nunca se envolvera com nenhuma delas. E justificava-se. “Quando misturamos dinheirro e sexo, nada dá certo.”
Para que déssemos razão a ele, contava sempre a história de um dono de jornal que se apaixonara por uma dessas moças de sua casa e que acabara perdendo tudo.
– Il teve de vendre tout – pronunciava com um tom de voz que lhe parecia de filme de terror.
Eu já ouvira aquela história não sei quantas vezes. Mas gostava do Rocha. Era amável, e até trocava cheques para os fregueses mais próximos. Quem abusasse da confiança e começasse a lhe causar problemas era levado discretamente para a gerência, onde os cheques apareciam. Era o suficiente para o freguês voltar ao salão mais comportado.
Rocha dizia que eu tinha um lugar cativo no bar. Era o banco perto da caixa registradora. Dali eu observava as meninas da casa. Nunca tinha saído com nenhuma delas, mas gostava do afeto com que me tratavam, sempre esperançosas de conseguir me arrastar para algum motel. “Hoje”, pensava eu, “elas não vão olhar para mim." No estado em que Alberto e Ronaldo se encontravam, não seria difícil conseguir uma companhia disposta a gastar com elas.
3
Enquanto Alberto e Ronaldo procuravam no ambiente uma companhia para o restante da noite, fui conversar com Rocha. Mal sentei junto à caixa registradora, ele me serviu um chope bem tirado. Agradeci e fiquei em silêncio. Tive, então, minha atenção despertada para uma morena que, sozinha a um canto e de olhos fechados, cantava baixinho a música que Oceano interpretava no piano. Olhei para a morena e, em seguida, para Oceano, o pianista que parecia ter a idade da noite do Rio. Simpático, com poucos cabelos numa vasta cabeça que lhe valia apelidos que o irritavam bastante, ele tinha sua atenção voltada para a moça.
Ele começou a tocar uma música e ela o acompanhou. Pude, então, ver o seu sorriso. Lindo, com dentes certinhos, cercados por lábios carnudos, sensuais. Desligada do que acontecia ao redor, ela ajeitou-se melhor ao pequeno sofá e, distraída, não percebeu que sua saia subia, permitindo a visão de parte de suas pernas.
– Belle, hein! – disse Rocha, ao perceber meu interesse. – É nova, aqui. S’apelle Caroline.
Olhei-o, então. Deveria ser alguém especial, pois ele não costumava mostrar conhecimentos sobre as moças que trabalhavam na casa. Nunca se referia a elas pelo nome. E por conhecer a maneira como ele se comportava, estranhei aquele conhecimento.
– De onde ela veio?
– Aparreceu ontem. Gostou dela?
Não respondi e tornei a olhá-la. A esta altura, Ronaldo já estava conversando com uma moça da casa. Alberto falava muito alto e três moças o olhavam com aquele sorriso profissional que elas costumam ter. Ele queria escolher bem e as fazia rodar, avaliando-as. Elas riam. Mas, positivamente, era uma posição humilhante.
Balancei a cabeça. “As escolhas devem ser feitas de maneira mais discreta”, pensei. Abaixei os olhos para minhas mãos, e voltei a procurar por Caroline. E me assustei: ela olhava para mim, parecendo fazer as mesmas perguntas que eu: quem é ele, qual o nome? É freguês? Ficamos nos olhando por um tempo que me pareceu ser uma eternidade. Até que ela sorriu e se ajeitou no sofá.
4
De posse da informação de Rocha, dirigi-me à mesa de Caroline. Ele tentou impedir-me, mas não lhe dei atenção. No caminho até a mesa que ela ocupava, pude ver meu xará e Ronaldo tentado convencer suas companhias de que estavam apaixonados. Não pude deixar de sorrir. Era a típica conversa de final de noite. E pior: de um bêbado em final de noite. Não parei para ouvir as respostas. E fui em frente.
Quando me aproximei, ela me fitou com um olhar interrogativo. E à clássica pergunta, “sozinha?”, respondeu com o clássico “não mais”. Sorrimos um para o outro e ela, então, bateu com a mão no sofá, indicando onde eu deveria sentar.
Obedeci, mas fiquei em silêncio, tomado por uma timidez que não se justificava. Ela continuava me olhando. Depois de algum tempo, esperando a minha iniciativa na conversa, perguntou meu nome.
– O meu é Alberto. E sei que o seu é Caroline.
Ela me interrompeu, como se eu estivesse dizendo o maior dos absurdos.
– E quem disse tal mentira? O Rocha? – perguntou.
– É mentira? Foi ele mesmo quem disse...
– Meu nome é Luciana – disse ela.
Eu a interrompei e repeti o nome Rocha me dissera antes. Ela sorriu e eu disse.
– Ele costuma afrancesar o nome das pessoas – disse eu.
– Só sei que quando cheguei aqui ele foi logo me dizendo que eu tinha olhos de Caroline. – E voltou a mostrar os dentes perfeitos. – Ele não te chama de Albert? – perguntou.
– Nem sei do que ele me chama – disse, com sinceridade. Não queria que ela soubesse meu sobrenome – Abreu e Silva – forma pela qual eu era conhecido na casa. – Quando estou aqui, costumo ouvir mais do que falar.
– E o que você ouve?
– Que o seu nome é Caroline...
– E o seu é Albert...
A conversa foi interrompida pelo xará, que vinha abraçado a uma lourinha pequenina, com sorriso de menina. Ele disse alguma coisa que não consegui entender, mas soou como uma despedida. Apertou a bunda da lourinha e foi embora. Olhei para Ronaldo e ele estava aos beijos com uma mulata e saiu sem se despedir.
– Seus amigos estão animados – disse ela, olhando para os quatro que deixavam a casa e reduziam a freqüência a mim e a ela.
– Vamos ser expulsos – disse eu. E toquei em sua mão, sentindo-a quente e sedosa. – Vamos acabar a noite em outro lugar? – propus, ficando de pé.
Ela me olhou muito séria, mas, de forma carinhosa, disse.
– Eu não estou trabalhando hoje. É minha noite de folga.
Eu fiquei desconcertado. E pude ver, então, que ela era da minha altura, tinha, de fato, olhos de Caroline, como descrevera Rocha. Ela apertou meu braço, soltou um “desculpe” encabulado e perguntou.
– Mas o que você quer comigo?
– Companhia. Não basta?
Ela tornou a me olhar, sorriu e disse, em voz baixa, quase sem ser ouvida.
– Mentiroso!
Tão logo eu perguntei o que ela dissera, pegou-me pelo braço e encaminhou-se à porta de saída. Eu tentei detê-la – afinal, tinha de pagar a conta –, e ela seguiu em frente. Mal tive tempo de olhar para Rocha e vê-lo acenar para mim numa despedida.
5
Voltei a procurar Luciana e ela já tinha saído. Fui correndo atrás dela e a encontrei na praça, placidamente sentada em um banco.
Luciana olhava para frente, em direção à Avenida Atlântica, mas eu tinha certeza de que ela nada via. Seu olhar, triste, era de quem estava longe dali. Sem se preocupar com o pouco movimento a sua volta, ela apenas esfregava os braços, dando a entender que sentia frio. Aproximei-me dela e perguntei aonde iríamos e ela, sem responder, reclamou do frio. Como estava uma camisa por cima da camiseta do Flamengo, ofereci-lhe. Ela aceitou e esticou o braço.
– Você não vai sentir frio? – perguntou, sem recusar a camisa e vesti-la com prazer. Sorriu para mim, abraçou-se, tentando esquentar-se, e perguntou onde eu morava. Dei uma resposta qualquer e perguntei pelo seu endereço. Ela voltou a olhar para o mar e respondeu baixinho.
– Prado Júnior. – Olhou para mim com ar desafiador e perguntou: – Onde uma mulher como eu pode morar? Prado Júnior. Este é o endereço das putas de Copacabana.
Aproximei-me e pus minhas mãos em seu ombro.
– Você conhece a noite. Onde podemos ir?
– Há um bar que nunca fecha aqui perto. É um bar de motoristas de táxi. Vamos lá?
Fiz que sim com a cabeça e saímos andando abraçados, como dois namorados. Ela quebrou o silêncio.
– Você não gosta de falar muito, não é?
– O que você quer saber? – perguntei, sorrindo.
– Você faz o quê?
Falei, então, do meu trabalho como jornalista e ela disse que conhecia alguém do meu jornal, mas não disse o nome. Olhando com ar desafiador, disse apenas tratar-se de “um freguês”. Na tentativa de não ficar calado, nem mostrar que ela me desconcertava, perguntei pelo bar.
Lá chegamos a provocamos um silêncio constrangedor. O proprietário a conhecia e ela pediu uma cerveja. Mostrei minha surpresa em vê-la bebendo cerveja, após o vinho da casa de Rocha. Ela limitou-se a dizer que o vinho dali era muito ruim. E sorriu, provocando, de minha parte, o clássico, “seu sorriso é lindo”. Ela ficou séria imediatamente. Eu pedi desculpas.
– Por quê?
– Não quero dar a impressão de que estou te cantando...
– E não está?
– Já disse que quero apenas companhia. Sou tão chato assim, que você me vê apenas como um freguês? – perguntei, com certa dose de irritação.
Foi a vez de ela pedir desculpas. Em seguida, abraçou-me com alguma coisa parecida carinho e ofereceu-me os lábios para um beijo rápido.
Eu não recusei, mas fiquei frustrado com o selinho. Eu queria mais e ela percebeu. Olhou no relógio de pulso e disse que adorava o verão, pois o dia amanheceria logo.
– Eu não gosto do sol. Por mim, só haveria a noite.
Ela olhou para mim estranhando o comentário e disse lamentar minhas preferências, pois pretendia convidar-me para ver o nascer do sol, dali a duas horas.
– De vez em quando eu vou. Mas me sinto mal com o calor e o sol, então, me deixa arrasado – disse, tentando sorrir.
Luciana tornou a me abraçar e disse com o rosto bem próximo do meu.
– Sol é vida. Eu e meu filho adoramos o mar.
Imediatamente me largou, parecendo arrependida do que dissera. Bebeu a cerveja que deixara esquentando e perguntou se eu queria mais. Eu concordei, pensando ser aquela a única forma de mantê-la perto de mim. E depois de algum tempo, que me pareceu uma eternidade, perguntei.
– Quantos anos ele tem?
– Quem?
– Seu filho.
– Dez. Fez semana passada – e deu um sorriso rápido.
– Ele mora com você?
– Claro que não. Ele é criado por uma família em Friburgo. Nem sabe que eu sou a mãe dele...
– E como você sabe que ele gosta de praia?
– A família que adotou ele me escreve sempre, dando notícias. Quando ele nasceu, fizemos um trato: eles me dariam notícias dele, mas eu não poderia procurá-lo...
– Deve ser uma barra – limitei-me a comentar.
Ela fez que sim com a cabeça e permaneceu em silêncio. De repente, pegou minha mão e propôs irmos para a beira do mar. Paguei a despesa e me senti levado por ela para ver o que a rainha do mar teria a nos dizer àquela hora.
6
Luciana caminhava à minha frente, de forma que eu podia apreciar seu andar, bem brasileiro, e sua – por quê não? – elegância. Apressei o passo e me coloquei a seu lado. Ela me olhou, sorriu e perguntou se eu perdera o medo do sol. Limitei-me a responder que ainda era muito cedo. Ela tornou a sorrir. Mas não quis dar a mão para que eu a segurasse. E continuou caminhando ao meu lado.
Chegando à beira-mar, Luciana sentou-se no banco junto à areia e me olhou, como se me convidasse a fazer o mesmo. Imitei-a e fiquei olhando para um casal que aproveitava a falta de luz para se abraçar e se beijar.
– Não entendi uma coisa – disse eu, quebrando o silêncio. Esperei que ela me olhasse e continuei. – Você me convidou para sentar ao seu lado, na boate, e, depois, me disse que não estava trabalhando...
– Primeiro, achei que você queria conversar. Depois, que você estivesse me chamando para um motel. Foi isso... Aliás, você quer ir?
Estranhei a pergunta, pensei e balancei a cabeça negativamente.
– Quero sua companhia... É verdade! – disse eu, ante a sua incredulidade. – Talvez seja este o meu maior problema – disse em voz alta.
– Você é solteiro? – perguntou ela, fazendo com que eu me arrependesse de ter falado em solidão.
Em resposta a ela, disse sim com a cabeça, novamente, e fiquei mudo, tentando descobrir onde se metera o casal que vira momentos antes. E concluí que eles deveriam estar junto à arrebentação. Lá, ninguém iria atrapalhá-los. E me assustei quando senti que ela me pegava pela mão e deitava a cabeça em meu ombro. Abracei-a com carinho e gostei daquele contato. Enfiei minha mão por baixo de seu braço e fiquei a poucos centímetros de seu seio. Ao perceber que poderia ser mal interpretado, tentei tirá-la. Mas ela segurou e trançou seus dedos nos meus.
Ficamos um tempo indefinido quietos. Fazia tempo que eu não namorava. Cláudia, àquela altura, era mais do que passado. Mas aqueles carinhos de Luciana traziam a lembrança do namoro fracassado. Respirei fundo e, meio sem ter o que fazer, beijei seus cabelos e esfreguei neles meu rosto, num gesto quase sensual. Ela se apertou ainda mais comigo e, de repente...
– Olha o sol! – gritou ela, me abandonando no banco. E como se percebesse a gafe, voltou-se e me ofereceu as duas mãos. – Vem! O sol não vai te fazer mal!
Acreditando nela, levantei-me e tornei a abraçá-la – no que fui correspondido – enquanto me rendia à beleza do sol nascendo na praia.
Luciana soltou-se de mim, tirou e me jogou a camisa, e ficou a andar para frente e para trás, oferecendo-se ao calor daquela manhã que nascia. A felicidade que demonstrava fazia lembrar a de uma criança a quem se oferecera um sorvete. Sempre sorrindo, ela olhou para mim e sentenciou:
– Não sei como alguém pode não gostar do sol – e caminhou em minha direção. Pôs seus braços em volta do meu pescoço e me beijou.
7
Não consegui esconder a surpresa, mas Luciana parecia nem estar aí para mim. Sorriu, deu-me um selinho e limitou-se a dizer que eu beijava bem. Comecei a rir, não pelo elogio, mas porque, na verdade, era ela quem beijava bem. Fiquei sem saber o que fazer, como sempre acontece nessas horas. Sentei-me no banco da praia e continuei a observá-la. Conforme havia mais luz, eu podia ver seu corpo, coberto por um vestido que, agora eu percebia, era meio transparente.
Eu disse isso a ela, que pareceu não me ouvir ou não se importar com o que eu dizia. Cheguei perto dela e pude vê-la, com os olhos fechados, braços abertos, fazendo uma cruz, recebendo os raios de sol com prazer. No buço, gotículas de suor, o mesmo acontecendo com a faixa de pele junto aos cabelos. Aquele aspecto suado me causou repugnância e acabei me colocando ao seu lado. Mas o calor começou a incomodar.
Fechei os olhos e me voltei na posição contrária ao sol. Foi então que a percebi olhando para mim e rindo.
– Você e o sol são mesmo inimigos – disse ela. De repente, vendo que eu nada dizia e apenas olhava para ela, esticou a mão para mim e propôs irmos embora. – Ta na hora, né? – perguntou.
Acenei com a cabeça e ofereci carona.
– Eu ainda tenho de trabalhar hoje – disse eu.
Saímos caminhando em direção ao meu carro, parado próximo à Praça do Lido e nos demos as mãos. Luciana as tinha pequenas, gordinhas. Olhei-as de perto e ri. Ela, fazendo graça, as escondeu debaixo dos braços, não permitindo que as pegasse mais e saiu correndo pela rua correndo risco até de ser atropelada. Um motorista usou a buzina tentando assustá-la, em vão. Com isso, ela chegou ao outro lado da Avenida Atlântica antes de mim. Mas como não sabia onde estava o carro, teve de me esperar.
Passei por ela sem nada dizer, sem dar importância aos seus gritos.
– Ei, moço bonito...! Aonde você vai...? Vai me deixar sozinha aqui? Abandonada? – e ao ver que eu parara para olhá-la, acrescentou: – Qualquer um pode vir aqui e me levar? – e abriu os braços.
Fiquei parado na esperança de que se aproximasse. Mas ela nada fez. Continuou com os braços abertos e só se movimentou quando eu fiz um sinal para que me acompanhasse. Eu segui em direção ao carro – sabendo que ela vinha junto – e amaldiçoando o sol, por estar bem sobre o vidro da frente do carro, esquentando exatamente o banco do motorista.
– Você vai me levar em casa? – perguntou ela. Sentei-me ao volante e abri a porta para ela, que se sentou, me olhou e disse, como se estivesse emitindo uma sentença. – Você é muito esquisito, sabia? – E deitou a cabeça no meu colo, ficando com parte das pernas e os pés do lado de fora. Depois de um tempo ficou séria e como se quisesse dar um fim à brincadeira, repetiu a pergunta: – Você me leva em casa?
Disse que sim e pedi que ela fechasse a porta do carro. Ela novamente deitou-se em meu colo e fechou os olhos. Durante o curto trajeto em direção à Rua Prado Júnior, ficou em silêncio, parecendo dormir. Ao menos a respiração era pausada... Tranqüila...
Ao chegarmos, eu perguntei em qual prédio ela morava. Ela levantou-se e me disse para deixá-la em frente à Farmácia do Leme. Eu estacionei o carro, ela me olhou séria, enxugou o rosto com a saia erguida, o que me permitiu ter uma vista total de suas pernas, aproximou-se, beijou minha boca e disse, apenas:
– Até a próxima vez – E deixou o carro, caminhando em direção oposta ao trânsito. E desapareceu.
8
Nos dias que se seguiram eu evitei aparecer no Bar Men Club. No fundo, no fundo, eu queria muito rever Luciana, sentir de novo o seu carinho. Mas ficava me perguntando se ela teria tempo para mim. Afinal, não era sempre que uma menina da noite podia conversar com alguém. Algumas vezes me surpreendi pensando nela. Certa noite cheguei até a parar o carro perto da Praça do Lido. Mas desisti em seguida, o que provocou reações pouco educadas do guardador de carro, que teve de empurrar uma camionete para que eu parasse.
Toda esta estratégia ruiu no dia em que Alberto, o xará que estava comigo no domingo em que conheci Luciana, procurou-me propondo voltarmos à boate.
– Estou comemorando uma promoção – justificou-se, acrescentando: – Vamos ver se aquela lourinha linda está hoje lá. Ela é divina...
Pensei até em recusar o convite, mas ele insistiu. O que eu teria a perder, perguntou ele, acrescentando que já era tempo de conseguir uma namorada.
– Faz tempo que o amigo está sozinho – disse ele, usando uma forma toda própria de se comunicar. – Vamos lá! Quem sabe você não consegue uma companhia bonita? – perguntou, dizendo que eu poderia deixar o carro no jornal, pois eu iria com ele.
Recusei a carona, pois não gosto de ficar dependendo de ninguém. Mas docemente constrangido, aceitei o convite e fui à boate, torcendo para que Luciana estivesse por lá. No trajeto, pensei no que deveria dizer. “Estou com saudades”, mas logo descartei esta hipótese. Como poderia ter sentido saudades se nem apareci por lá! “Queria muito te ver” foi outra frase abandonada. Queria ver, mas desapareci. E quando menos esperava, já estava atravessando a Praça do Lido.
9
Rocha não estava, mas o gerente me recebeu com a fidalguia costumeira. Alberto escolheu uma mesa perto do piano e logo pediu uma dose de uísque. Eu fiquei no chopinho gelado e tentava parecer despreocupado enquanto olhava em volta. De repente, ouço a frase dita junto ao ouvido.
– Ela saiu com um freguês. Mas pode ser que volte.
Sorri e agradeci a informação. E pensei ser lógico que ele imaginasse que meu fim de noite, naquele domingo, tivesse sido com Luciana. E até consegui conversar com Alberto sobre a promoção e, principalmente, conhecer os detalhes – que ele fazia questão de contar – de sua saída com a lourinha com cara de menina.
– Você tem de sair com ela – dizia, empolgado. – Não hoje, claro – E ria alto. – Hoje ela vai ser minha – garantia.
As histórias de Alberto eram constantemente interrompidas por ele mesmo. Todas as meninas que passavam perto da mesa eram provocadas por ele. Depois de fazer muitas gracinhas absolutamente sem graça, ele perguntou a uma delas por Rose – o nome da lourinha com cara de menina. E ficou irritado quando soube que ela saíra com um freguês.
Enquanto ele começava a irritar os demais fregueses, eu tentava comportar-me de maneira absolutamente descontraída. Mas qualquer movimento junto à porta despertava minha atenção. Com isso, eu não conseguia enganar ninguém. Era evidente que eu vigiava a porta. Estava de tal maneira envolvido com os meus problemas que não percebi que Alberto ia ficando com raiva, conforme o tempo passava. A lourinha não aparecia e ele conseguia misturar frustração com bebida. Até que resolveu ir embora.
– Você vai ficar? – perguntou. – A vagabunda não vem hoje. – Parou, olhou em volta e percebeu ser o centro das atenções. – Tchau! To bêbado – admitiu. – Vou dormir. E saiu.
Eu pretendia segui-lo, mas logo depois Rocha chegou. Ao ver-me, veio em minha direção e mandou transferir a despesa para o balcão. Mas não havia despesa alguma, pois Alberto cumprira a sua parte. Segui-o por entre as mesas e ocupei meu lugar costumeiro. Ele sorriu e perguntou quem eu estava esperando. Disse que ninguém, mas ele olhou para mim com uma fisionomia de quem não acreditava. Riu baixinho e reclamou a minha presença.
– Você está sumide, disse ele, com o sotaque costumeiro. Muito travaille? – perguntou.
Disse que sim, sem dar importância à pergunta, tentando demonstrar certa descontração. Mas a todo momento olhava para a porta, na vã esperança de que Luciana entrasse por ela. Se Rocha percebeu, nada disse ou fingiu não perceber. E numa atitude rara, convidou-me para sentar com ele à mesa e acompanhá-lo em um vinho. E justificou o convite:
– Você merrece...
Sentar à mesa com Rocha dava a qualquer um a impressão de ser o dono da noite. Os garçons olhavam para você com simpatia e as meninas, com respeito. Mas a minha posição era ingrata. Eu estava de costas para a porta de entrada o que me obrigaria a me virar constantemente. Fiquei irritado até perceber um espelho que parecia estar estrategicamente colocado na parede que dava acesso aos banheiros. Ri intimamente. Era evidente que aquele espelho ali estava para permitir que Rocha, de qualquer posição que ocupasse à mesa, visse quem saía e, principalmente, quem entrava na casa.
Comecei então a me sentir mais tranqüilo e até ri um pouco. Olhando para o espelho, comecei a controlar a freguesia. Até vi a lourinha que Alberto esperava. Ela não tinha uma boa aparência e fez menção de falar com Rocha. Ele nada disse, mas ela entendeu que deveria esperar. Ela, então, sentou-se a uma mesa próxima e ficou olhando para nós.
Sorri para ela, que me retribuiu o sorriso, que era bonito, de menina, mesmo. Olhei em seguida para Rocha, mas ele mantinha a fisionomia impenetrável de sempre. Pensei em propor que a menina sentasse conosco. E quando ia falar alguma coisa, ele me perguntou.
– Você se incomoda se a menina de son amie sentar aqui?
Disse que não e até me afastei para dar lugar a ela no sofá que substituía as cadeiras costumeiras. Mas ela sentou-se entre mim e ele. Eles se olhavam sem nada dizer. Aquilo começou a me deixar constrangido e resolvi ir ao banheiro, para deixá-los a sós. Levantei-me, tornei a sorrir para ela – que não me sorriu de volta – e caminhei até o banheiro. Na saída, encontrei o gerente que me pegou pelo braço e contou.
– O Rocha está puto da vida com a Rose. Ela saiu com um amigo dele, cara que trata dos alvarás na Prefeitura, e ela deixou ele dormindo no hotel e sumiu... Menina maluca! – disse ele. Em seguida, virou-se para mim e perguntou: – Você está esperando a Luciana? Ela deve estar chegando. Saiu com um cara aí – disse ele, batendo no meu ombro como que me animando.
Eu nada disse. Concluí que todos sabiam a razão da minha estada ali naquela noite. Seria perda de tempo tentar convencê-los do contrário. Voltei caminhando para a mesa do Rocha e, quando cheguei perto, percebi que a menina estava chorando e o Rocha falando sério, com o dedo na cara dela. Tentei voltar, mas eles viram que eu percebera a bronca que ele estava dando nela. Rose tentou enxugar as lágrimas e ele sorriu para mim, fazendo sinal para que eu sentasse.
Ficamos em silêncio uns poucos minutos, quando o gerente chamou Rocha para resolver um problema qualquer. A menina, então, sorriu para mim, em silêncio. Disse a ela, então, que Alberto passara por ali procurando por ela.
– Ele esteve aqui. Queria comemorar uma promoção no emprego. Mas ele não esperou.
Ela sorriu para mim e, ainda tentando esconder as lágrimas, disse:
– Nossa! Ele é muito maluco! – e riu, parecendo estar mais descontraída. – E você? Esperando a Lu?
Resolvi assumir que, de fato, estava esperando por ela. Bati com a cabeça e lamentei que ela estivesse demorando.
– Ela saiu com um cara, mas deve estar voltando. Ela não fica a noite toda com ninguém – e olhou para mim, como que me avisando que ela também sabia que nós passáramos a noite juntos e que eu era um felizardo.
Nisso, como se houvesse uma combinação prévia vi, pelo espelho, Luciana entrando na casa. Olhei para Rose que fez um sinal para ela. Nervoso, fiquei olhando para o copo de vinho, àquela altura vazio, esperando... Ela parou ao lado da mesa e falou:
– Não acredito. Você, aqui? – e se aproximou de mim. Sorrindo, beijou-me a boca, abraçou-me apertado e disse no meu ouvido. – Que saudades, moço bonito!
Eu retribui seu beijo, abracei-a com volúpia e me entreguei.
10
Somente após retribuir o carinho de Luciana percebi o quanto eu estava com saudades dela. E olhei-a sorrindo. Era evidente que ela também estava feliz. Fiquei em silêncio, sorrindo, olhando seus lábios carnudos. Passei os dedos sobre eles, com carinho.
– Você não fala nada? Diga que estava com saudades também, poxa!
Não pude deixar de rir. Mas cometi o erro de bancar o gostoso.
– Estou aqui, não é?
Foi o suficiente para ela ficar séria, pedir licença e se levantar. Fiquei surpreso e olhei para Rose à procura de uma explicação. Ela me olhava espantada. E perguntou:
– Você é maluco como aquele seu amigo? Eu, hein!
E levantou-se indo atrás de Luciana. Rocha voltou à mesa naquele momento e, rindo, perguntou:
– Brrigou com a namorrada?
Foi a minha vez de ficar com raiva.
– Olha aqui, ela não é minha namorada. Eu não passei a noite com ela e vou embora porque eu trabalho em horário normal e não na noite, ta legal?
E saí sem me despedir de ninguém. Estava com raiva, mas de mim mesmo. Luciana sorrira para mim, ficara feliz em me ver. Ora, por que eu estragara tudo? Fui andado pela Praça do Lido, diminuindo os passos e parei, voltando a olhar para a boate. Só havia o porteiro a olhar para mim. “Ele também deve achar que sou maluco. E sou mesmo... A Cláudia é que tem razão... Eu mereço estar no Pinel”.
Sem saber o que fazer, sentei-me em um banco. Só depois é que vi ser o mesmo banco onde Luciana sentara no domingo. E tive uma vontade doida de chorar. Apoiei meus braços sobre os joelhos e segurei o rosto com as mãos. Mas não chorei. Era sempre assim. Quando eu mais precisava jogar minhas mágoas para fora, as lágrimas desapareciam. Pior: voltavam em horas absolutamente impróprias.
Não sei quanto tempo fiquei ali olhando as pessoas passarem na praça. Meninas da noite, travestis. Todos olhavam para mim e alguns diziam: “meu amor, vem cá...” . Minha vontade era dar porrada em todos eles. Mas sou covarde demais para encarar quem quer que fosse.
Olhei novamente para a boate e vi a Rose parada olhando para mim. Ela tornou a entrar e voltou, pouco depois, em companhia de Luciana. As duas ficaram esperando eu tomar uma atitude qualquer. A iniciativa foi de Luciana, que veio em minha direção e sentou-se ao meu lado.
– O que você quer falar comigo? – disse ela, de forma ríspida.
– Eu? Pensei que você quisesse falar...
Ela, então, surpreendentemente, começou a rir. Olhou para mim e disse:
– Foi a Rose que me disse que você queria falar...
Eu a interrompi:
– Perdão!
Ela me olhou surpresa, passou a mão em seus cabelos, pelo lado do meu rosto e, carinhosamente, perguntou:
– Por que você fez isso? Eu tava feliz por te ver... De verdade... E você me agrediu daquela maneira. Por que?
Eu nada disse. Olhei para ela e retribuí o carinho. Puxei-a para mim e beijei-a, apaixonadamente, como devia ter feito desde o início.
– Eu sou um idiota. Não sei o que deu em mim. Queria muito te ver, mas não queria dar o braço a torcer, sabe?
– Sei. Não pode gostar de uma puta. Só a puta é que deve gostar de você, não é?
– Você não é puta – rebatei imediatamente.
Ela deu um sorriso triste e começou a falar...
– Você é igualzinho ao pai do meu filho. A diferença é que ele é um filho da puta. Não vale nada. Nunca procurou o menino... Mas ele era assim também. Achava que não tinha de gostar de mim. Só eu gostar dele. Coitado... Nunca admitiu isso e deve estar longe daqui, casado com uma mulher igual a ele. Se é que está vivo, ainda...
Eu não sabia o que falar. Fiquei quieto, com medo que ela se levantasse e me deixasse sozinho ali. E depois de um tempo, tentando ser engraçado, disse:
– Todo mundo na boate pensa que nós dormimos no domingo. Acham que nós passamos a noite juntos...
Ela se levantou, me olhou e perguntou:
– E não passamos? Para mim foi uma noite maravilhosa – e levantou. – Pena que você não tenha percebido quanto foi bom. E voltou para a boate.
Eu fiquei sem saber o que fazer. Esperei um tempo para ver se ela ou Rose voltavam. Nada aconteceu. Parecia que o tempo parara. Tudo era silêncio, vazio e solidão.
E triste, muito triste, fui embora.
11
As pessoas logo perceberam que eu não estava bem. Paulo, que dividia comigo a editoria no jornal, tentou arrancar de mim alguma informação. Mas eu nada dizia a ele. Até mesmo Cláudia, que eu encontrei no chope após o trabalho, me achou estranho. Tentou ser simpática e se mostrar preocupada. Mas a ninguém dei brechas para uma conversa. Passava o tempo todo triste, tentando entender o que tinha acontecido. Ou melhor, tentar entender o que eu fizera a Luciana.
O pior de tudo é que meu rendimento profissional começou a ser afetado por meu descontrole. E Paulo logo me alertou.
– Bicho, o que está havendo? Você parece com a cabeça longe! É a terceira cagada que você faz esta semana! Ninguém tá entendendo nada!
– Não sei o que está acontecendo – disse eu, mentindo descaradamente. – Virei para ele e pedi. – Segura essa? Eu vou embora.
– Ele limitou-se a dizer “sim”. E me viu sair pela redação. As pessoas que ouviram a conversa nada disseram. Apenas me acompanharam com os olhos.
Sai do jornal e fui direto para Copacabana. Eu sabia o que estava acontecendo comigo. Estava apaixonado por Luciana e tinha de resolver logo aquele problema. Olhei no relógio e vi que era muito cedo, ainda. Eram 8 horas da noite a àquela hora, não haveria ninguém no Bar Men Club. Mesmo assim, fui para lá. Parei o caro na Avenida Atlântica, um pouco afastado da Praça do Lido e sentei-me em um dos muitos bares do calçadão.
Eram poucas as pessoas por ali. Mal sentei e vi que, numa mesa próxima, havia um grupo de pessoas conhecidas. Educadamente, me chamaram, mas eu fiz um gesto dando a entender que estava esperando alguém. Felizmente, o grupo entendeu e me ignorou. Pedi um chope e um maço de cigarros. E fiquei quieto, esperando o tempo passar. Conforme o chope foi acabado, fui pedindo mais. Quando dei por mim, já estava meio tocado. Até mesmo o grupo que eu vira ao chegar já tinha deixado o bar. Paguei a conta e, decidido, fui em direção do Bar Men Club.
Conforme ia andando, fui me enchendo de coragem. E pensava na atitude que teria ao chegar e dar de cara com a Luciana. A decisão de falar com ela, “acabar com essa palhaçada”, foi me fazendo bem. Cheguei à porta da boate e tive uma recepção fria por parte do porteiro. Não dei importância e passei por ele sem ao menos cumprimentá-lo.
Mal entrei, percebi que as poucas pessoas na casa – passava um pouco das 10 horas – imediatamente olharam para mim. Procurei Luciana com o olhar, mas ela não estava. Rocha também não. O gerente chegou perto de mim, segurou-me pelo braço e me ofereceu uma mesa, bem distante das demais.
– Qual é? Por que esta preocupação comigo? Eu estou bom! – disse, tentando fazer piada.
Mas ele não me deu bola. Puxou-me pelo braço e disse secamente:
– Ou você senta aqui ou vou colocá-lo para fora.
Tentei puxar meu braço, mas não consegui. Tentei fugir dele e fui logo agarrado. E mergulhei na escuridão. Curiosamente, aquela escuridão me confortava. Sentia-me leve, sem culpa ou preocupações. Ouvia vozes ao longe, mas não conseguia entender o que elas diziam. Estava deitado numa cama macia, gostosa. A última coisa de que tive consciência foi alguém pegar minha cabeça e colocá-la no colo.