DOEU? TÁ VIVA

DOEU? TÁ VIVA

Depois de uma certa idade, as pessoas passam a sentir dores pelo corpo todo: doe aqui, ali e acolá, de preferência nas juntas que estalam como engrenagem de carro velho, carecendo de lubrificação; em geral as pessoas velhas, quero dizer (idosas) odeiam suas dores, mas Sá Tota adorava porque eram suas companheiras, todas as manhãs ela as conferia dedo por dedo, costela por costela; quando terminava a conferencia, ela suspirava e dizia: que bom, está tudo normal graças a Deus, estão todas doendo direitinho e alegremente ia tomar seu gostoso café da manhã.

Ninguém naquela cidadezinha conseguia entender porque Sá Tota gostava tanto de suas dores, mas o dia da explicação acabou por chegar; certa manhã a idosa senhora acordou cedo, como era seu costume começou a conferir suas dores, mas de repente gritou apavorada e saiu correndo porta afora, estava tão aflita que se esqueceu da bengala e de que idosos não correm, apenas rastejam.

Em um tranco e dois solavancos, Sá Tota chegou na casa do bondoso doutor João, e foi logo dizendo: acode seu doutor, está acontecendo uma coisa horrível, a segunda junta de meu dedo mindinho não está doendo e isso não é normal, acode que é muito grave, o pobre do médico explicou: se não está doendo é porque os remédios estão certos, isso é muito bom, fique calma; ai a velha se danou de vez, espetou o dedo indicador bem na cara do médico e esbravejou: é bom porque o problema não é seu, como vou me acalmar numa situação dessa? Hoje o dedinho não doe, amanhã é a mão, depois é o braço, as costelas e vai se danando tudo.

Já pensou doutor? Até aquela dor de estimação do meu joelho vai parar de doer, para aqui e para ali, quando eu tomar tento caio mortinha da silva, vou reclamar para quem? Depois desse desabafo, Sá Tota já mais calma , fez o médico entender seu ponto de vista: sabe doutor, o que mantém uma pessoa de minha idade viva são as dores, por isso quando falta uma de minha coleção eu me apavoro, porque com elas já me acostumei, mas não sei se vou me acostumar com a morte.

Estava esclarecido o mistério, Sá Tota tinha era medo de morrer e lá no seu jeito torto de ver as coisas, ela acreditava que era melhor contar suas dores, do que comer capim pela raiz; daí para frente as pessoas do lugar apresentavam seus cumprimentos a velhota , da seguinte maneira: bom dia sá Tota, suas dores vão bem? E ela respondia sorrindo: estão ótimas, todas doendo direitinho graças a Deus.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 17/09/2008
Código do texto: T1183436
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