A Semente de um Novo Tempo

O Gólgota, uma pequena elevação situada na periferia de Jerusalém, recebia um bom número de pessoas naquela tarde. Todos estavam reunidos para assistir a morte de Jesus de Nazaré. As pessoas estavam ansiosas por mais essa execução. Tinham um prazer sádico em ver os condenados morrerem. No caso de Jesus e de mais dois malfeitores, seria morte de cruz. Houve um alvoroço quando avistaram Jesus. Os malfeitores já estavam crucificados e fora reservado para Jesus a “honra de ficar entre eles”.

Jesus era carregado pelos soldados romanos, pois não tinha mais forças para andar. Seu estado era péssimo. Além da flagelação, o cansaço físico, a fraqueza e a perda de sangue, deixaram-no nesse estado. Mesmo com os olhos inchados das pancadas que havia recebido, Jesus conseguia ver as pessoas que ali estavam. Deitaram-no, com os braços abertos, sobre a haste horizontal da cruz. À altura dos pulsos, entre ossos e músculos, pregaram grossos pregos. Pondo os pés um em cima do outro, uniram-nos com um comprido prego, em uma madeira que serviria de apoio. Suspenderam-no e o colocaram, em forma de cruz no meio dos outros dois homens que ali estavam.

Jesus estava despido. A pena de crucifixão exigia o máximo de humilhação para um ser humano: não ter o direito de vestir roupas nem para morrer. A posição em que estava, com o corpo abaixo dos braços, o asfixiava. Era necessário suspender o corpo até a altura dos braços para buscar ar. Para realizar esse movimento, era preciso força física, coisa que Jesus já não tinha. Além do cansaço, sempre que fazia o movimento de soerguimento do corpo para respirar, suas mãos e pés doíam terrivelmente. Os pregos entravam cada vez mais em sua carne e ele sabia que chegaria a hora em que não agüentaria mais sentir aquela dor e a força física acabaria de vez.

De onde estava, conseguia ver todas as pessoas, mas não entendia o que falavam. Era tudo muito confuso, escutava alguns insultos, xingamentos e escutava também o choro de algumas mulheres. Em voz baixa, falando quase para si, disse:

- Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.

Nova tentativa de erguer o corpo, mais dor e mais cansaço. Mesmo no maior sofrimento, conseguia amar e perdoar todos que o faziam sofrer.

Um dos malfeitores, o que estava a sua direita, gritou-lhe:

- Você não é o Cristo? Salve-se, e a nós!

O outro, à esquerda de Jesus, o repreendeu:

- Você não tem medo de Deus? Nós merecemos estar aqui pelos crimes que cometemos, mas ele é inocente, não cometeu crime algum.

Mesmo sentindo muita dor, o homem que estava à esquerda de Jesus, conseguiu virar o rosto para ele e disse-lhe:

- Senhor, lembre-se de mim quando você estiver no seu Reino.

Jesus tentou esboçar um sorriso e respondeu-lhe com voz fraca:

- Ainda hoje, você vai estar comigo no Paraíso.

Mais uma vez suspendeu o corpo e mais uma vez sentiu muitas dores. Algumas partes de seu corpo já estavam dormentes. A conexão entre corpo e mente estava sendo rompida. Jesus sabia que sua missão tinha sido cumprida. Sabia que tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para levar todos os homens e o homem todo para o seu Pai. Tinha se entregue completamente ao projeto que lhe havia sido confiado por seu Pai. Amou, perdoou, formou discípulos, não fez distinções entre pessoas, percorreu longos caminhos para levar a Boa Nova do Reino de seu Pai, sofreu constantes perigos de morte e agora ali estava.

Em nenhum momento, dentro de si, havia algum tipo de revolta. Os homens não lhe entenderam, mas sabia reconhecer neles o que tinham de bom. E no tempo de seu Pai, quando Ele quisesse, o bom, o melhor prevaleceria.

Dos seus olhos, brotaram lágrimas, que se misturavam às gotas de sangue de suas faces. Não era um choro. Eram apenas lágrimas que manifestavam a despedida que estava acontecendo. Amava profundamente a vida. Gostava de ver o movimento das folhas das árvores, causado pelo vento. Apreciava o pôr do sol de cada dia e sempre pensava que o último que vira era o mais bonito. Enxergava beleza em um dia de chuva, pois sabia que a vida se renovava com a água que caía. Amava a vida que estava presente nos seus amigos. Amava a vida que estava no sorriso de sua mãe e no rosto amigo de seu pai, que já não estava com ele. Amava a vida que seu Pai lhe dera. Amava a vida que era seu Pai. Amava a vida que estava dentro de si e que agora, aos poucos se despedia dele.

Tentou erguer-se mais uma vez, mas não conseguiu. Estava cansado demais. Estava com dor demais. Com voz rouca, ainda com lágrimas nos olhos, exclamou:

- Tudo está consumado! Pai, em suas mãos entrego o meu espírito!

Fez-se um silêncio muito grande. Cessaram os insultos e xingamentos. Cessaram os choros.

Sua cabeça tombou para o lado e o seu corpo finalmente descansou. No seu rosto, reinava uma expressão de paz.

Trevas se fizeram e começou a chover. O mundo chorava a ausência do homem chamado Jesus. Seus pés não tocariam mais aquele chão. Seus passos não preencheriam mais aquelas ruas. Sua voz não ecoaria mais nos ambientes. Seu olhar não aqueceria mais os corações. A vida, a história, a existência, estavam divididas.

A chuva torrencial que caía sobre o corpo nu de Jesus, lavava-o, fazendo escorrer da cruz o sangue que havia derramado. Seu sangue sobre a terra, seria a semente de um novo tempo.

Paulinho Melo
Enviado por Paulinho Melo em 17/09/2008
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