LETICIO O CARCEREIRO
LETICIO O CARCEREIRO
Entre o delegado Zurico e o carcereiro Leticio, havia uma grande e sólida amizade, mas havia também uma enorme diferença de maneiras: tanto tinha um de violento e brusco, como tinha o outro de manso e delicado e daí partiam as ocasionais e amistosas desavenças dos dois.
A mais comentada de todas as turras de delegado e carcereiro, foi ocasionada por um louco; não havendo hospital ou coisa que o valha na vila de São João, o jeito era prender os loucos na cadeia, até se conseguir transporte para leva-los a algum lugar de maiores recursos.
Certa vez o delegado Zurico foi chamado as pressas, para resolver o problema de um louco furioso que estava colocando em risco os moradores de uma fazenda nos arredores e quando a autoridade voltou trazendo o louco amarrado na sela do cavalo, Leticio quase sofreu um ataque.
Disse que aquilo era um crime, que o doente era um ser humano e não devia ser conduzido como um bicho; o delegado não deu resposta, colocou o louco em uma cela e avisou ao carcereiro que não abrisse para nada sem a presença dele, porque o homem era
agressivo e muito perigoso.
Dois ou três dias depois o velho carcereiro estava ainda mais irritado; nos horários de refeições dona Ana a virtuosa esposa de Leticio, trazia a comida que era distribuída cristãmente aos presos pelo marido, mas a comida do louco era levada pessoalmente pelo delegado Zurico.
Ele entrava na cela armado de um porrete e mesmo assim era atacado pelo demente e tinha de se defender com dureza e nem sempre conseguia obriga-lo a comer; o carcereiro cansado de assistir aquelas cenas de violência, tomou a decisão de não mais chamar o delegado pra tratar do louco.
Pensou que com paciência e a ajuda de Deus, ele mesmo o faria e na refeição seguinte ele preparou o prato do doente, olhou para ver se Zurico não estava por perto e abriu a grade chamando mansamente pelo louco: venha meu irmão, venha comer, ninguém vai maltrata-lo, pobrezinho.
Ouviu-se um rosnado furioso e no minuto seguinte, o caridoso carcereiro estava caído no chão e o louco lhe apertava a garganta, enquanto urrava palavras obscenas, vendo o marido em perigo dona Ana começou a gritar por quanto Santo havia, o delegado chegou correndo atraído pela gritaria.
Entrou na cela, obrigando a socos o louco a deixar o carcereiro e enquanto o doido se distraia na luta com o delegado, dona Ana arrastou o marido para fora da cela e começou a socorre-lo com a ajuda de pessoas que vieram ver o que acontecia; passado o susto, Zurico foi as contas com Leticio.
Cansado da zanga do delegado, ele se justificou dizendo: ele quase me matou, mas não mudo de opinião, o senhor podia ser mais mansinho com ele delegado, afinal ele ainda é um ser humano; Zurico chegou a vexatória conclusão que era preciso bem mais que um demente, para acabar com a caridade e amor ao próximo de seu querido e teimoso carcereiro Leticio..
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EdA