NUNCIATA LINGUA DE PRATA

NUNCIATA LINGUA DE PRATA

Na década de quatorze, Vila de são João vivia as escuras, se alguém falasse em luz elétrica, na certa lhe perguntariam: é de comer ou de beber? Dá em arvore ou é planta rasteira? Pode-se imaginar o perigo que era falar mal dos outros fora de casa em noite sem luar, mas para Nunciata toda hora era boa para fazer fofocas, ela falava sem parar e só abria a boca para ofender alguém.

De um jeito ou de outro ela ia escapando ilesa, apesar da raiva que a maior parte da população tinha dela; Nunciata não poupava ninguém e sua policia secreta era das melhores, pois ela estava sempre muito bem informada de tudo de errado que acontecia em São João, porque das coisas certas ela não queria saber, pois coisas certas não rendem assunto e não provocam brigas.

Mas como tudo tem seu dia, ou melhor sua noite, a de Nunciata acabou chegando; em uma noite escura a língua de prata se colocou na janela de frente de sua casa e ficou tomando o ar fresco e conversando com o marido que estava na sala, o marido de Nunciata Seu Damião nada falava, de tanto ouvir a esposa perdeu o assunto e só sabia balançar a cabeça, coisa que fazia sem parar.

Era um habito irritante, que contraiu de tanto dizer amém ao palavrório da desbocada mulher; na dita noite escura, Seu Damião disse a Nunciata que recolhesse a cabeça quando citasse nomes dos outros, porque poderia se dar mal, mas qual nada ela estava inspirada e atacava com seu assunto predileto: a política e desacatava os adversários de sua família, falava sempre com a cabeça para fora.

Tanto falou que um dos atacados que passava,quando seu nome foi lembrado com uma saraivada de impropérios, perdeu o cavalheirismo e descarregou sua raiva em formidável golpe de bengala na cabeça da linguaruda, a bengalada estourou e ela desabou no chão desmaiada e com o sangue saindo em bicas, enquanto Seu Damião acudia gritando por socorro.

O dono da bengala sumiu correndo na escuridão sem ser identificado por ninguém; delegado Zurico foi chamado e percorreu todos os cantos da vila e não encontrou ninguém, o gaiato desapareceu; Nunciata língua de prata ficou muito tempo curando sua pobre cabeça, mas assim que se pilhou curada resolveu tirar o atraso justamente as custas do mal encarado delegado Zurico.

Dizia que São João era uma terra sem garantias, onde as pessoas eram agredidas em sua própria casa e ninguém tomava providencias; ninguém tinha coragem de contar ao atacado o que estava acontecendo, mas de um modo ou de outro Zurico acabou por saber do assunto e não gostou, resolveu ir as contas, não com Nunciata, pois senhoras, mesmo as fofoqueiras não iam a delegacias.

Acertaria com Seu Damião seu marido, se bem resolveu, melhor o fez: intimou o coitado para comparecer a delegacia , onde foi avisado pelo delegado, que era seu dever conter Nunciata, que fosse mais homem e desse um chega pra lá naquela língua ferina, ou seria preso e castigado se a autoridade fosse novamente ofendida; Seu Damião saiu de lá balançando cada vez mais rápido a cabeça.

Injuriado e humilhado pela repreensão que levou, mas sem saber ainda o que fazer para fechar a boca da esposa; ao chegar em casa encontrou Nunciata debruçada na janela, desacatando Deus e o mundo para uma assistência de quatro ou cinco vizinhas, ai Damião achou o jeito de acabar com os desmandos verbais da mulher: tirou o cinto e aplicou-lhe tremenda surra, ali mesmo na rua.

Depois espalhou o respeitável publico com algumas lambadas também; foi um escândalo terrível, senhoras distintas apanhando de cinto em plena rua e os maridos das ofendidas completaram a dose em casa, para que cuidassem das próprias vidas; Nunciata aprendeu a lição, parou de fofocar e passou a respeitar o marido, Seu Damião voltou a conversar, mas nunca perdeu o costume de balançar a cabeça, parecia uma vaca de presépio, o infeliz

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 16/09/2008
Código do texto: T1181751
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