GALO CASTRADO SOSSEGO NO MATÃO

GALO CASTRADO SOSSEGO NO MATÃO

Se alguém quisesse uma fazenda bonita a do Matão não servia, porque passava de bonita, era maravilhosa: suas terras começavam a beira do córrego do mesmo nome e subiam suavemente serra acima sempre verde e florida terminando com uma cruz branca , fincada no ponto mais alto da propriedade.

Vista ao longe, aquela fazenda inspirava paz com todo aquele verde; a casa grande branca e rosada com as casinhas azuis dos colonos a sua volta aparentava só beleza, só bem estar, mas a realidade era bem outra, paz era coisa que lá não havia e a causa da intranqüilidade reinante era o fazendeiro Seu Alirio.

Não que ele fosse má pessoa pois até que não era, serio em seus negócios, justo com os colonos e liberal com a família em questões de dinheiro, o problema era outro: era a sua incurável mania de bancar o galo, arrastando a asa para quanta franga visse por perto; moça solteira, mulher casada, jovens e velhas, ninguém estava em segurança com Seu Alirio por perto.

O homem era o terror dos chefes de família da região, filha de colono que aparecesse grávida sem ter marido, já se sabia de quem era o filho; enquanto as vitimas eram as moças da lavoura, as coisas foram correndo bem porque naquele tempo não havia leis trabalhistas, ninguém a quem recorrer, só tinha dois lados: o dos ricos patrões que tudo podiam e o dos pobres empregados que nada podiam.

Ninguém pensava em reclamar das injustiças que sofria e a esposa de Seu Alirio fingia não saber das travessuras do marido, era o uso da época, senhora distinta não podia saber de tais coisas; durante anos , o fazendeiro viveu como um sultão em seu harém, mas araruta também tem seu dia de mingau e o dia dos pobres se vingarem chegou finalmente, quando se mudou para lá um tal de Zé Vale, homem forte, valente e um enxadeiro emérito.

Além do mais tinha uma esposa de uma beleza tão grande que até parecia impossível, assim que a noticia da beleza da moça chegou até Seu alirio, ele se apressou em montar seu mangalarga e se dirigiu a casa do novo colono, para apresentar as boas vindas e levar algumas frutas e doces de presente para o novo e eficiente empregado, nessa de visitas e presentes ele continuou todas as tardes, sempre em horário que Zé Vale estivesse em casa.

Trinta ou quarenta dias depois ele já era de casa e começou a variar de horários, pois já tinha conquistado a confiança do colono; em uma dessas visitas ele se chegou demais a bela Célia e fez sua costumeira investida, mas a moça se zangou e saiu correndo para chamar o marido na roça, para azar do assanhado o Zé estava mesmo chegando, agarrou o mal acostumado velhote e com dois golpes de sua afiada faca resolveu seu problema.

Estava castrado o Galo do Matão e daquele dia em diante os maridos e pais de moças bonitas seriam respeitados; deixando seu Alirio se esvaindo em sangue e já desmaiado, Zé Vale pegou a trouxa e a mulher e deu no pé, eram jovens e fortes e quando um vaqueiro passou por ali pouco tempo depois, só encontrou o ferido, eles já estavam longe; Seu Alirio esteve entre a vida e a morte por um longo tempo, o pior era a humilhação.

E a humilhação maior era ser tratado pela esposa que ele sempre ofendera; avisado do ocorrido o delegado Zurico da Vila de São João saiu a caça do casal, mas no fundo, bem no fundo ele não queria encontra-los, porque era um homem justo e via bem de que lado estava a razão e seus desejos foram atendidos, porque apesar de seus esforços não encontrou sinal deles e foi obrigado a desistir; depois disso Seu Alirio ficou muito jururu.

Ele perdeu a graça e ficou de crista caída, porque sabia que todos na fazenda, estavam achando pouco e bom o que lhe aconteceu e debaixo de seu ar serio quem mais gostou do desastre do marido, foi dona Alvina a esposa ultrajada que em face da frouxidão do esposo tomou a si o governo da fazenda e deixou de lado para sempre os cacarejos de galinha mansa e passou a cantar de galo e galo da raça índia, que são muito bravos.

Os anos foram passando e até o dia de sua morte, Seu Alirio suportou os olhares de desprezo e zombaria de seus colonos e vizinhos e pior que tudo a pose de dona Alvina vestida de roupas de montaria, chapéu de abas largas na cabeça, botas tacheadas e chicote na mão, comandando tudo a sua volta , inclusive ele; ainda hoje tanto tempo já passado, o povo daqueles lados repete a historia e dá boas risadas a custa do Galo Castrado da Fazenda do Matão.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 16/09/2008
Código do texto: T1181302
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