Diário de Um Homem de Teatro, parte 2
Num desses almoços de família, minha mãe me disse, num tom gentil, que queria transformar o meu antigo quarto num depósito de lixo e que portanto seria bom que eu tirasse de lá todas as minhas coisas que eu deixei pra trás, quando saí da casa dos meus pais pra morar na Chapada dos Veadeiros fazendo artesanato junto com a Luana, ou Suzana, não lembro direito o nome daquela menina que eu engravidei.
Vasculhando aquele quarto onde estavam, junto com os ratos e as baratas, boa parte das recordações da minha juventude, dei de cara com o meu antigo diário, onde estão registradas as minhas primeiras experiências como ator. Estão lá todos os laboratórios que realizei pra ser figurante de comercial de cerveja e distribuidor de brinde em feira agrícola. Mas, o que mais me chamou a atenção foi o que segue abaixo: a descrição completa do processo de trabalho da minha primeira peça profissional. À luz da minha idade e experiência, percebo o quanto eu era imaturo na época. Felizmente, hoje eu posso rir dessas mazelas, pensando que daqui a pouco eu vou encher a cara com o meus amigos quarentões, antes da gente disputar mais um racha na avenida com os nossos carros envenenados. Bem, a seguir, o retrato do ator quando jovem...
Segunda, 14 de abril
Iniciamos hoje os trabalhos para a montagem do espetáculo SAUDADES. A proposta, interessantíssima por sinal, é a seguinte: nosso diretor, o consagrado Darci Sampaio, quer resgatar memórias perdidas da infância e da adolescência buscando através da criação coletiva, uma dramaturgia, segundo ele, “isenta de ranços”. Curioso que quando ele disse “ranço”, eu entendi “ranhos” e julgando que aquilo era uma piadinha pra descontrair o ambiente, acabei explodindo numa gargalhada que se revelou inoportuna, já que todo mundo, inclusive o Darci, me olhou feio. Tenho que tomar cuidado, porque mais uma bola fora dessas pode me colocar na figuração.
Somos seis ao todo no elenco. A figura de maior expressão é a atriz Elizette Halen, estrela consagrada da década passada e que ficou afastada dos palcos nos últimos cinco anos, segundo ela "para se reciclar enquanto pessoa". As más línguas dizem que foi o tempo necessário para que ela fizesse as plásticas e os tratamentos para a dependência alcoólica que ela desenvolveu desde que se envolveu emocionalmente com o galã Atílio Branco. Segundo as fofocas maldosas, o Atílio sempre foi gay e só foi pra cama com a Elizette porque a confundiu com um homem no meio de uma bebedeira. Enfim, isso tudo não me interessa. O fato é que nossa primeira atriz é uma senhora muito simpática, que inclusive me convidou para tomar um drinque na sua casa, o que faremos amanhã após o ensaio. Coisas como essa me deixam extasiado. É inacreditável que eu, recém saído da Escola de Arte Dramática, já estou chamando a Elizette Halen de Elizette e que esteja prestes a compartilhar com ela um "happy hour-estilo-classe-teatral": uísques e papos sobre Stanislawski...
O resto do elenco é bastante heterogêneo. Temos o Sillas Pallmeira, com quatro "eles", conforme ele faz questão de que seja colocado nos programas. É um sujeito bastante carismático e de certa forma charmoso, apesar da peruca , da barriga e do olhar estrábico, que de certa maneira prejudica, ao meu ver, a sua performance nos palcos, já que o público nunca sabe pra onde ele está olhando. Na vida real, o problema oftalmológico trás problemas. Hoje, por exemplo, ele me perguntou quando eu tinha me formado na EAD. Como ele estava olhando pra cafeteira, achei que a pergunta não era pra mim e continuei quieto no meu canto e então, ele me chamou de mal-educado. Agora, cada vez que ele fala alguma coisa eu presto o máximo de atenção pra saber se é comigo que eu não quero saber de mal-entendidos. O Sillas é bastante crítico e às vezes um pouco amargurado. Fala mal da ex-mulher e de quase todos os artistas já falecidos do nosso século. Por precaução, poupa os vivos. “Nunca se sabe com quem ainda se pode trabalhar” , ele diz às gargalhadas, enquanto olha fixamente pro interruptor de luz quando na verdade está olhando pra um dos seus colegas de elenco.
Bem mais simpático é o Tadeu. O nome artístico dele é só esse: Tadeu. Isso me deixou fascinado. Sem dúvida, deve ser um ator que prima pela economia. Eu já vi o Tadeu em cena há dois anos, na tragicomédia "Um Velório do Barulho", direção do aclamado diretor Bráulio Azevedo, que inclusive morreu um dia antes da estréia. Não pude ter muita noção do trabalho do Tadeu quando assisti o espetáculo porque ele fazia o morto. Diz a lenda que o Tadeu foi demitido porque deu uma cochilada durante uma apresentação e o seus roncos arruinaram o monólogo dramático da viúva, a excelente Turíbia Mendes, que após esse incidente ameaçou abandonar a carreira, não sem antes dar um soco na boca do Tadeu nos camarins. Depois disso, alguém sugeriu a exumação do corpo de Bráulio para substituir o Tadeu, mas eu tenho quase certeza de que isso foi somente uma piada de mal gosto, embora não se tenha idéia do que pode acontecer no teatro contemporâneo, principalmente depois de Artaud. O Tadeu tem um filho que ele vai ter que levar nos ensaios, porque não tem com quem deixar. O garoto tem cinco anos e é surdo-mudo. Não faz barulho , mas no meio do ensaio, rasgou umas dez ou quinze páginas de um exemplar de “O Poder do Mito” que o Darci trouxe pra introduzir a parte teórica. Todos rimos muito com a peraltice, mas ao que parece , o Darci não achou aquilo nada engraçado, talvez pelo fato do livro ter uma dedicatória em alemão do próprio Joseph Campbell. O Darci é, sem dúvida, um homem enigmático. Típico sujeito que quando te encontra pode te dar um abraço ou um soco com a mesma expressão facial. Aliás, ontem ele me bateu. Não sei porque , mas eu devo ter merecido.
Temos também a Darlene Fonseca, atriz de excelente timming, que nos últimos anos se especializou em fazer papel cômico em tragédia grega. Darlene é também impagável na vida real: fica mandando beijinhos o tempo inteiro para a Luana Flores, atriz meiga e de voz delicada, que certamente fará a mocinha seja lá qual for o texto final . Darlene elogia Luana o tempo todo, não perde o bom humor e fica exclamando: "Essa Luana é uma atriz muuuito boa!", assim mesmo, acentuando o "muito boa" pra dar o duplo sentido. Aí eu rio e olho pro Darci que está sempre sério. Os gênios são assim.
Terça, 15 de abril
O ensaio de hoje foi cancelado por causa do filho do Tadeu. Num momento de distração do Darci, o peralta ateou fogo no DRT do nosso diretor. Um tanto quanto contrariado, o Darci começou a gritar com o menino, o que foi inútil, já que ele não escuta patavina. O Tadeu, entretanto, se ofendeu e disse que só voltaria no próximo ensaio se o Darci prometesse ser mais amável da próxima vez. O Darci então disse que certamente seria mais amável se o Tadeu e o filho não aparecessem no ensaio seguinte. Então o Tadeu disse que, naquele caso, ele e o filho faziam questão de ficar. Foi nessa hora que o Darci se irritou e saiu batendo a porta de um jeito que até o filho do Tadeu fez careta. Os atores então aproveitaram a folga inesperada . Darlene convidou Luana pra ver uns vídeos na casa dela e as duas saíram com um vinho embaixo do braço. O Sillas foi fazer um teste de comercial de fralda geriátrica que, segundo ele, estava no papo. Quanto a mim, acabei aceitando o convite de Elizette e fui até sua casa para saborearmos aquele drinque prometido na véspera. Acredito que foi um erro. Além das três poodles de Elizette não terem simpatizado comigo, tive uma certa dificuldade pra convencer a minha colega de que eu não queria tirar as minhas calças, mesmo que ela se propusesse a fazer isso com os dentes. No esforço de me desvencilhar da sua mão boba, eu acabei derrubando pela janela uma samambaia, o que deixou a Elizette aparentemente muito contrariada, já que depois disso, ela me expulsou do apartamento. E enquanto eu contava as mordidas que havia levado dos poodles, vim pela rua refletindo que o envolvimento emocional geralmente causa problemas dentro do trabalho no teatro. Por sorte, somos todos profissionais e certamente esse episódio não deve representar grandes empecilhos para o sucesso do projeto SAUDADES.
Quarta, 16 de abril
Tadeu deixou o filho surdo-mudo com a ex-mulher e conseguimos finalmente trabalhar. Pelo menos por alguns minutos. Darci pediu que subíssemos no palco pra imitar o animal que mais identificava nossa personalidade. Sillas garantiu muitas gargalhadas à assistência com sua imitação de cachorro estrábico, mas o Darci não achou graça e interrompeu o exercício dizendo: "Isso é um esteriótipo! Eu quero ver o cachorro que está dentro de você! Seja um cachorro! Sinta-se um cachorro". Nesse momento, o Sillas começou a chorar e então ninguém mais riu. Eu já estava começando o meu aquecimento corporal, com uma técnica que eu aprendi na EAD, que começa com sutis puxadelas nos pêlos do suvaco até chegar à fricção dos meus sete chacras, quando a Darlene gritou que já era uma atriz tarimbada e que nem ela , nem a Luana, fariam imitação de bicho nenhum. O Tadeu, com o seu senso de humor peculiar, disse pra Darlene que a proposta era imitar um "bicho" e não um "bucho". A Darlene aparentemente levou o trocadilho pro lado pessoal e avançou pra cima do Tadeu, enquanto o Sillas latia descontroladamente. No meio da sua tentativa de fuga, o Tadeu torceu o pé e rompeu um tendão. Foi quando ouvimos o estrondo da porta batendo. Era o Darci, que tinha se retirado do teatro antes que eu pudesse mostrar a minha imitação de camelo. Quanto à Elizette, esta permaneceu alheia ao laboratório, agarrada na sua garrafa de uísque, sem querer falar com ninguém. Na saída do teatro, enquanto colocávamos a nossa primeira atriz num táxi e ela me xingava, comentei com o Sillas que estava sentindo o grupo dividido. Com toda a sua experiência, o veterano ator me tranqüilizou, enquanto olhava no fundo dos meus olhos, apesar de parecer estar olhando pro alto de um poste:
- Dividido? Você nunca enfrentou um divórcio pra saber o que é divisão , meu amigo!
Quinta, 17 de abril
Ao relevar os incidentes do dia anterior, Darci considerou precipitada a decisão de embarcar na parte prática, decidindo fazer hoje um trabalho de mesa apesar da ausência do Tadeu que estava hospitalizado com uma fratura no quinto metatarso do pé esquerdo. Estranhamente, o filho do Tadeu estava lá, o que gerou uma grande correria a fim de colocar os pertences do Darci num local seguro. O primeiro tópico a ser discutido foi o super-objetivo do espetáculo. Embora Luana tenha falado bonito (as conturbações energéticas e astrais do fim do milênio e de como ela sentia a necessidade de expressar a sua verdadeira humanidade, que era a humanidade de toda a humanidade, logo, passível de identificação), a Darlene, com o seu bom humor impagável, cortou-a bruscamente, perguntando quando saia o pagamento dos atores. O Sillas tomou a palavra e falou das suas contas atrasadas. O Darci tentou retomar o nível filosófico da discussão mas foi interrompido pelo filho do Tadeu que, sem motivo aparente, lhe deu um chute na canela. O Sillas continuou chorando as pitangas e então o Darci prometeu o primeiro pagamento no quinto dia útil do mês. Foi quando a Elizette retrucou, dizendo que os veterinários de suas cadelas não podiam esperar. Aproveitei a deixa e engatei o discurso que havia ensaiado para aquela ocasião. A primeira frase era "Olha gente, pra mim teatro não é trabalho...é paixão", mas não consegui concluí-la porque a Darlene se irritou com a introdução.
- Você está me chamando de vagabunda?
Não consegui me explicar, porque nesse momento o Darci arruinou o trabalho de mesa , quebrando a dita-cuja com um soco enquanto gritava: "Vocês perderam a essência! Vocês perderam a essência!" O susto foi tão grande que a Luana garantiu que o filho do Tadeu havia dito alguma coisa. Todos ficamos muito intrigados e cercamos o garoto, mas ele não disse mais nada. Darci saiu novamente indignado e antes de bater a porta como de costume, deu um safanão no Sillas, que pediu desculpas por estar no caminho. Mais tarde , caminhando para o ponto de ônibus, eu estava otimista. Pensava que se havíamos perdido a essência, nossa meta inicial era encontrá-la, o que já era em si, um super-objetivo. Telefonei para o Darci às duas e quinze da manhã , porque fiquei à noite refletindo sobre a questão. Ele, no entanto, desligou o telefone na minha cara.
sexta, 18 de abril
Darci pediu que fossemos observar as crianças, pois elas tem o princípio lúdico que o ser humano perde em função das pressões e convenções sociais. O grupo, no entanto, mostrou-se resistente à proposta. Elizette, inclusive, chegou a vomitar em protesto enquanto a Darlene se levantava pra dizer que era uma atriz e não uma babá. Mantendo minha postura profissional, ignorei aquela rebelião e perguntei ao Darci se ele queria alguma criança em específico e onde eu poderia encontrá-la. Ele gentilmente me sugeriu que eu procurasse as crianças residentes na cidade do Oiapoque , na Região Norte do país, mas eu contra-argumentei que se fosse para tão longe que não haveria tempo hábil para voltar ao ensaio do dia seguinte. Nisso, o Sillas me chamou de imbecil na frente de todo mundo e todo mundo riu, gerando um clima de descontração, quebrado pelos berros de Darci que inexplicavelmente começou a gritar: “ Imbecil é a humanidade! Eu! Você! Todos uns imbecis!” . E de novo, o nosso diretor saiu pela porta afora enquanto o resto do elenco manifestava indignação por mais um ensaio cancelado. Voltando pra casa, e consciente do meu dever profissional, ainda dei uma passada no parque pra observar alguma criança. Não foi uma boa idéia, porque estava chovendo e o parque estava vazio. Além de um princípio de gripe, ganhei sérias desconfianças de que o trabalho, por enquanto, está rendendo pouco.
segunda, 21 de abril
Aproveitei a folga que o Darci nos deu no fim de semana e levei o filho do Tadeu para assistir o espetáculo para crianças no qual o Sillas atua há três anos, uma versão infantil para "Casablanca", onde ele faz uma ponta no papel de avião caolho. O garoto, ao que parece, gostou do espetáculo, mas como sempre, não expressou verbalmente sua opinião. Entrei no camarim enquanto o Sillas ajeitava a peruca. Não sei se ele ficou nervoso por causa disso, mas o fato é que ele me expulsou do teatro.
O ensaio dessa segunda começou com duas novidades: uma boa, e a outra ruim. A boa é que o Tadeu voltou, e mesmo de muletas, se prontificou a participar de todos os laboratórios. A ruim, mas não tão ruim assim , foi o anúncio da saída da Elizette, por motivos de estafa emocional e tratamento de saúde. Não digo que fiquei feliz , mas devo confessar que a presença de Elizette me incomodava um pouco, principalmente depois que ela confessou ter colocado ácido no meu cafezinho, em um episódio que teria me custado a vida se o copo de plástico não tivesse se dissolvido.
A primeira atividade foi de aquecimento e condicionamento físico. Darci mandou que déssemos trezentas voltas correndo em volta do palco, das quais Sillas suportou apenas as primeiras duas e Tadeu, de muletas, as primeiras cento e vinte e quatro. Eu mesmo devo confessar que na altura da volta duzentos, já não agüentava mais. As únicas a percorrerem todo percurso de trezentas voltas foram a Darlene e a Luana, muita embora o mérito dessa última tenha sido questionado, já que ela foi carregada nas costas pela Darlene após os primeiros cinco minutos de exercício. Darci explicou que a exaustão física quebra os bloqueios do ator e em muitos casos (e nesse momento, ele sorriu pro Sillas), pode causar até a sua morte. Como estávamos todos vivos, passamos à um exercício de improvisação, proposto por Darci. O tema foi um texto científico que questionava a clonagem das ovelhas e por conseqüência dos seres humanos, usando como ponto de partida da discussão as teorias psicanalíticas de Freud embutidas no livro “A Construção da Personalidade”. Darci pediu que humanizássemos as ovelhas e incorporássemos a obsessão do homem contemporâneo pelas dietas de uma semana. A partir daí, segundo nosso diretor, a improvisação poderia fluir livremente.
A cena durou quase meia hora, com resultados interessantes, principalmente na parte das ovelhas, onde Luana e Darlene deram um show à parte pulando a cerca. Infelizmente para mim, acabei sendo escalado para interpretar uma das abóboras da dieta de uma semana , tarefa na qual senti especial dificuldade por considerar que esse tipo de papel carece de humanidade. Tadeu, sempre perfeccionista, também estava insatisfeito com a sua performance como pepino, numa interpretação que lembrou muito o morto de “O Velório do Barulho". Eufórico mesmo estava o Sillas, que como Freud havia arrebentado ("eu fiz análise! Desse personagem eu dou conta!"). Sillas ficou tão feliz que cometeu um erro fatal: ao abraçar Luana comemorando o fim da cena, deu um leve tapinha na nádega esquerda da moça , atitude reparada por Darlene e reprovada com veemência conforme pôde-se atestar por sua atitude posterior. Darlene se aproximou de Sillas e delicadamente lhe deu um leve empurrão, que lançou o pobre coitado por cima das poltronas da segunda fileira. A confusão se estabeleceu. Tadeu tentou apartar a briga , mas tropeçou na muleta e torceu o pé que ainda estava bom. Darlene esbofeteou Luana e a chamou de fácil, enquanto eu, em desespero gritava para não perdermos o foco da discussão. Nesse momento, o Darci sacou uma arma do bolso e gritou: “O Teatro está morto. Nós matamos o Teatro” e começou a atirar no seu elenco, felizmente com uma péssima pontaria. O único a ser atingido foi o Sillas, que mesmo caído no chão e desacordado, levou, ironicamente, um tiro na nádega esquerda. A coisa só foi controlada pela policia, que invadiu o teatro e prendeu todo mundo , inclusive o Sillas, que estava desmaiado e acordou na enfermaria da delegacia, se lembrando do empurrão da Darlene, mas sem a menor idéia de como havia sido baleado. No caminho para o camburão , o filho do Tadeu inesperadamente gritou para que soltassem o pai dele, o que gerou grande emoção, inclusive nos guardas. Darci, no seu delírio colérico, estava extasiado. Algemado, ele gritava : "Guardem isso! É memória emotiva! Guardem isso!"
quarta , 23 de abril
Estou chocado! Depois de tanta entrega, esperança e envolvimento, Darci convocou uma reunião para anunciar que o projeto SAUDADES foi arquivado. Segundo ele, toda a verba da produção foi gasta no pagamento das fianças. O otimismo da juventude me fez sugerir um pedágio para angariar fundos, mas Darlene me mandou calar a boca. Estava prestes a responder à grosseria quando a mão fria de Sillas se colocou no meu ombro , fazendo com que eu reparasse no inchaço do seu queixo e refletisse sobre a importância de ser prudente. Da cadeira de rodas , Tadeu ponderou, em clima de fim de festa, o quanto havia aprendido com o trabalho, principalmente no que dizia respeito à prática da fisioterapia. Sillas tentou dar uma risada, mas se conteve por causa da dor. Nesse momento, Elizette entrou pela porta do teatro e acompanhada de um oficial de justiça exigiu que as horas trabalhadas fossem remuneradas. Darci sorriu e perguntou com seu jeito enigmático : "Que horas trabalhadas?". Darlene se levantou indignada e perguntou se Darci a havia chamado de vagabunda. Foi quando o Darci apalpou os bolsos novamente à procura do revólver. Por sorte, o filho do Tadeu já tinha se apoderado da arma e num canto escuro do teatro, alegremente brincava de roleta russa.