O Rei dos Urubus

Ok, vamo do começo, mas sem metáfora, que eu sempre achei metáfora um saco!

Me formei jornalista e logo de cara, minha tia me arranjou um estágio num jornaleco pra fazer coluna social. Achei ótimo o estilo de vida. Fazia plantão nas festas, descolava uns croquetes e um vinho branco na surdinha e ainda botava o papo em dia com os colegas desocupados, enquanto a gente esperava acontecer a próxima notícia estúpida. Aí, fui prosperando porque eu tenho senso de oportunidade. Troquei de jornal, fui chamado pra ser jurado de programa de tevê e dali a pouco, todo mundo me conhecia. Um mundo de idiotas me telefonando pra aparecer no jornal, puxando o meu saco, aquela porra toda. E eu, permutando favores, que não sou otário. Uma nota aqui em troca de um favor acolá, isso quando não liberavam uma grana eventual. Uma vez comi uma atriz e custou quase nada, duas linhas num site de quinta categoria. O universo das celebridades é formado, em essência, por cretinos completos. Falo isso com conhecimento de causa. Eu mesmo fui uma celebridade com PHD em cretinice. E poderia ter sossegado quando finalmente fui promovido a editor pelo Dr.Alcides, dono da editora, que sempre foi com a minha cara e que por isso, comia na minha mão. Depois, eu comecei a comer a mulher dele e isso é um detalhe importante pra entender o que aconteceu comigo nesses últimos tempos. O fato é que eu tava no auge quando despenquei feito uma jaca. A culpa foi minha. A velha imprudência da juventude, paradoxalmente falando. Eu tava ambicioso pra burro, tinha lido a frase do Pessoa que diz que em cada lago a lua toda brilha porque alta vive. Depois entendi que eu não sou um lago, eu sou um pântano! Mas chega de metáfora, que metáfora é coisa de viado.

Voltando à vaca fria, quem ouviu falar da Alice Brandão sabe que a mulher era garantia de ibope naquela época. Ex-modelo, casada com empresário, a Alice ficou famosa pelas festas e pelos escândalos, cada um mais saboroso pra imprensa marrom que o outro. Minha carreira deu um belo salto quando eu cobri com exclusividade o dia em que ela tomou um porre monumental, enfiou o Porche no poste e ainda agrediu o policial que foi fazer a ocorrência. Primeira página e muita revista vendida. Outra vez, ela fez uma lipo malsucedida e sumiu do mapa por causa do inchaço. Foi idéia minha tocaiar fotógrafo na frente da casa de praia pra tirar foto da ex-modelo sequelada. Ela ainda caiu em depressão depois da publicação da revista, o que gerou mais matéria rentável. A Alice me ajudou a virar editor, eu reconheço. Talvez eu devesse ter sido mais atencioso quando ela veio me procurar na redação, implorando pra que a gente calasse a boca em relação à última bomba sobre a sua vida amorosa que tava prestes a estourar na imprensa. Mas, porra: quem ia ficar quieto , sabendo que uma mulher como aquela tava de caso com o próprio segurança?

Publiquei na sexta-feira. No domingo, o marido empresário tirou sua arma do fundo do armário e descarregou o tambor na ex-mulher, guardando a última bala pra dar um tiro na própria boca. A mídia marrom foi ao delírio com a seqüência macabra. A nossa revista faturou em cima até alguém concluir que o crime passional tinha sido desencadeado pelo furo jornalístico promovido por mim. Um dia, quando cheguei na editora, meus colegas de profissão estavam em peso esperando pelo meu carro. Pipocavam os flashes enquanto eu era bombardeado com perguntas sobre a ética no jornalismo e se eu me sentia em algum nível culpado pelo o que tinha acontecido. Minha argumentação foi incisiva.A imprensa é livre e blá, blá, blá! Se tava todo mundo com síndrome de Madre Tereza de Calcutá, a culpa não era minha. Mas o fato é que me pegaram pra Cristo, dizendo que eu era o símbolo da falta de ética e decoro do jornalismo nacional. Paradoxalmente e sem nenhuma ética, diga-se de passagem, devastaram a minha vida. Descobriram e divulgaram em larga escala e em todos os veículos de comunicação em massa as minhas pautas vendidas e o meu caso com a mulher do Dr. Alcides. Não foi surpresa quando comunicaram minha demissão. Minha mulher me expulsou de casa e, um dia, quando a minha mãe voltava da feira, ela foi agredida por um grupo de senhoras moralistas. Até pra velha o negócio fedeu, coitada...

Fiquei numa fossa da porra e numa noite, tomando um porre num bar, um sujeito me abordou. Não reconheci de cara por causa da bebedeira, mas depois de um soco no estômago, tudo ficou mais claro. Eu tava apanhando do Jessé, o segurança da Alice Brandão. Que gritava aos prantos que eu tinha arruinado a única chance dele ser alguém na vida. Apanhei um bocado naquela noite e só não morri de pancada porque alguém chamou a polícia. Chamaram a imprensa e no dia seguinte eu tava de novo, em todos os jornais, como o jornalista decadente, símbolo da corrupção da mídia nacional e que agora tomava porres e porradas em botecos fétidos da cidade. Fiquei uns dois meses em sair de casa, até que o dia em que bateram na minha porta sem nenhuma delicadeza, chamando pelo meu nome num tom de voz que só podia significar muito mais violência à vista. Obviamente, eu me recusei a abrir, o que foi inútil porque logo em seguida a porta estava sendo arrombada a pontapés. Fui arrastado pra dentro de um carro por uns cinco brucutus a chutes e socos no estômago e antes de apagar, pensei: “Tô morto e que se foda. Chega dessa existência de merda, onde eu fiz tudo errado e nem sequer to arrependido”. Acordei num sofá de couro, na sala de estar da casa de campo do Dr. Alcides. O mesmo sujeito cuja mulher eu comera nos meus tempos de glória. Dum canto da sala, ele me olhava com um sorriso meigo. Depois , aproveitando que eu estava amarrado , deu um tapa na minha cara.

-Eu, por mim, tinha te dado um tiro - disse o Dr. Alcides - mas minha mulher tá sofrendo, a vaca. Se apaixonou por você. Pediu pelo amor de Deus, pediu pelos nossos filhos. Tudo que essa vagabunda me pede, eu faço. É assim, desde que a gente se casou, o que que eu posso fazer? Então, em troca da sua vida, você vai me fazer um favor.

Em silêncio, eu ouvi a proposta bizarra:

-Quero fazer um programa de televisão. Uma coisa meio submundo. Gente pobre e gente rica, unidas na desgraça, compreendeu? Todos os podres, todos os escândalos. O que interessa é o mundo cão, que brasileiro é chegado num barraco. Fizemos pesquisa de opinião e o âncora tem que ser você! Você é o representante maior da escrotidão da nossa mídia! O programa é pura carniça! E você é o Rei dos Urubus! O Rei dos Urubus!

Então, eu voltei à cena. Publiquei um livro, fui capa de revista, declarei ter superado a depressão. A mulher do Dr. Alcides dorme em casa duas vezes por semana, e com o consentimento do marido. Já o meu programa, “O Vício da Vida”, estreou com um ibope nas alturas. Pudera. No primeiro programa, um convidado especialíssimo: Jessé. Que inclusive me pediu perdão. Ao vivo. Com lágrimas nos olhos, o puto...

Leonardo de Faria Cortez
Enviado por Leonardo de Faria Cortez em 13/09/2008
Reeditado em 13/09/2008
Código do texto: T1175595
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