Amuleto de fogo
A lua clareava a rua enquanto eu caminhava por ela. Como era gostoso me sentir e sentir o mundo! Tudo em mim vibrava de êxtase. Julgava-me o centro do universo. Pretendia desfrutar todas as novidades a serem vividas naquela noite. Sabia que com apenas quinze anos, tudo era proibido. Todos os perigos oferecidos no negrume da noite e ao luar, eram do meu conhecimento. Minha mãe tinha certeza que eu estava no quarto, dormindo o sono dos anjos. Era notável a confiança que julgava eu merecer. Mas, quero ser diferente, quero ser eu mesma, sem remorsos e frustrações.
À medida que soltava os passos liberava também a imaginação: \"Vou dançar como nunca dancei na boate Beira Rio. Conheço-a de cor através da minha amiga Lucy.\"
Atravessei a ponte Marechal Hermes, um pouco receosa, mas ao cruzar com outros andarilhos, recarregava de coragem e prosseguia o caminho, quase correndo.
\" E se minha mãe perceber que pulei a janela e fugi? Será que ela vai chamar o Conselho Tutelar? Acredito que ficará calada, detesta escândalos.\"
Pensando em tudo que poderia me acontecer, cheguei à boate. Errar o caminho, impossível. Tinha o mapa na mente de tanto ouvir falar nela.
Suas luzes e letreiros luminosos indicavam o percurso para chegar até lá.
Não errei o percurso.
\"Que lugar diferente!\"
Eu estava abobalhada. Apesar da aparente segurança dentro de mim, tudo era novidade. A cada olhar eu constatava que o mundo lá fora era mais bonito do que eu pensava .
- Lena, você demorou muito, reclama Lucy. Pensei que nosso trato havia sido esquecido. Já estava sem graça de ficar aqui nesta mesa só bebericando, à sua espera.
- Você mora aqui perto e eu ainda fui esperar que todas as luzes se apagassem, em casa.
- Senta aí e fique tranqüila. Aqui ninguém a incomodará. Eu já estou acostumada com a vida noturna. Nada de ruim lhe acontecerá. Esta boate é familiar,- tenta Lucy acalmá-la.
Estou com vontade de ir para casa ...
- Garçom uma cerveja e um refrigerante, pedia Lucy para impedir a minha saída dali correndo.
Melancolicamente observava as pessoas sorridentes e dialogando ao meu redor. Sentia-me fora do meu habitat.
De repente Lucy foi convidada a dançar e minhas pernas tremeram ao ficar sozinha.
Observei que um grupo de jovens conversava na mesa ao lado e era sobre mim. Já conhecia um deles, o Rick, filho do diretor do colégio Pioneiro e fazendeiro afortunado. Sendo o filho do chefe, acreditava ser dono de todos nós. Era aí que se enganava. Sempre jogava meu charme sobre ele e depois saia de fininho. Mas, agora estou com medo, muito medo...
- Quer dançar comigo? Convidava Rick quando eu voltava da toalete.
- Com você? Desconfia! Cresça para dançar comigo! Jamais dançarei
com alcoólatra - desdenhei dando meia-volta, sem olhar para trás.
Procurei minha amiga no salão e só avistei pares coladinhos e enamorados. Sentei-me e preocupada, chorei...
- Posso sentar aqui? Perguntou Rick já sentando e oferecendo-me um lenço.
A minha raiva era imensa mas recusar a companhia do rapaz, naquele lugar estranho, àquela hora, era infantilidade.
- Vamos dançar, amor?
- Amor? Pouco nos conhecemos! Procurava coragem nas palavras .
- Eu a conheço faz tempo. Busco sua amizade e sempre recebo recusas.
- E sempre receberá. Você está longe de ser o meu tipo. Também, amor agora pra mim é supérfluo.
- Amar é supérfluo?
- No momento sim. Tenho outras prioridades.
Rick tentava puxar conversa mas eu queria o silêncio. Levantei -me para procurar Lucy, novamente. Mirava toda a pista de dança e... nada!
O diálogo com aquele cavalheiro era impossível e alto pensei:
\"Preciso ir embora!\"
Num gesto repentino, apanhei a bolsa e saí apressadamente, derrubando a cadeira sem querer. Senti uma pressão no meu braço direito, fazendo-me diminuir a velocidade.
- Acompanho você até sua casa. É perigoso e já está muito tarde. Vamos.
Empurrava-me grosseiramente para o automóvel; sentei-me no banco ao lado e seus amigos, no de trás.
Fechei os olhos e estava disposta só abri-los em casa, quando percebi que a direção tomada pelo motorista era contrária e a estrada era desconhecida. A ponte iluminada que atravessava o rio São Francisco, estava distante. A velocidade do carro era tão elevada que tornava difícil permanecer na pista certa. O cheiro de bebida tomava conta do ambiente. No barzinho do automóvel o litro de vodka ia secando. Eu era forçada a beber sem querer.
- Estão me machucando. Sooltem -me!!!
( ...)
Senti que algo muito grave iria me acontecer. Os rapazes fingiam escutar somente o que lhes interessavam.
Desceram do carro e me arrastaram para um mato fechado, \"crucificando-me\" numa árvore, amarrando minhas mãos nos galhos dessa e amordaçando-me para abafar o grito.
Estava possesso de maldade, o Rick...
Lágrimas salgadas se misturavam com os fios dos meus cabelos longos, que caiam ao chão, cortados com um canivete cego. Eram negros, negros e brilhosos da cor dos meus olhos...
Recebi no rosto, gotejadas de bebida importada e palavras agressivas:
- E agora? Quem precisa crescer, menina mimada? Você ou eu? Saia daí para eu ver!
Onde está toda sua coragem, seu orgulho? Vou reduzi-los a pó.
À medida que Rick falava rasgava um pouco da minha blusa até deixar todo meu busto à mostra. Sem poder reagir, pensava: - Quanta fúria para ser liberada...
Os outros rapazes bêbados olhavam e sequer ousavam parar a volúpia do amigo ressentido. O deixa-disso acontecia raramente.
Por um instante pensei que estava ilesa quando Rick foi acender um fogo, com o auxílio dos outros, que mal ficavam em pé.
Vi quando meu agressor retirou do pescoço, seu amuleto de ouro em forma de coração, esquentou-o no fogo até mudar de cor e com ajuda de um alicate, fixou-o sobre o meu seio, do lado direito, dizendo:
- Agora você tem a minha marca. Ferro você igual meu pai ferra suas novilhas. Entendeu? Ainda afronta homem, pirralha? De hoje em diante, vai estar sempre comigo, com o meu brasão.
Mal pude extravasar a dor com um suspiro prolongado... Doeu demais...
Vamos embora amigos, ou vão ficar aí? - Saía Rick apressado.
- Mas, e a garota vai ficar aqui? Perguntava um deles.
- Ela que se vire. O problema é dela.
RicK falava com ar de vitória, aproximando-se do carro e retirando a chave do bolso.
O motor roncou e minutos depois só se ouvia o barulho de outros carros, lá longe, no asfalto.
Continuei a rezar e a pedir proteção divina, mentalmente.
Minutos depois, o remorso pairou na cabeça do Rick. Resolveu voltar e dar-me carona até à cidade. Disse ter-se lembrado que fora visto ao sair comigo da boate.
O carro corria para a volta. O silêncio só foi interrompido quando grosseiramente urrou:
- Desce menina e nenhuma palavra sobre o ocorrido, senão... de outra vez será pior.
O meu olhar era fulminante. Dentro de mim, corroía o ódio misturado com a dor e vergonha.
Logo que o carro sumiu na curva, tomei uma decisão:
Entrar em casa, só depois de cumprir o meu dever...
Impunes, jamais...
Juraci Oliveira
(Leia Sexo no olhar (erótico) em contos