SÔ ZICO TROCA DEZ

SÔ ZICO TROCA DEZ

Muitas vezes as pessoas fazem ou dizem coisas consideradas estranhas, mas são apenas o jeito de ser de cada um; cada vivente é uma ilha e não importa a opinião dos outros, o direito de fazer ou dizer as coisas é incontestável e isso fica fora de discussão, e sô Zico era o exemplo vivo dessa afirmação, fazia e dizia as coisas de seu jeito, e quem não gostasse que se danasse.

Ele apareceu de repente naquela vila, e em pouco tempo chamou a atenção pelo seu jeito diferente de viver a vida, os fofoqueiros de plantão só descobriram que ele viera de uma cidade chamada Perdoados, que não ficava nem muito longe e nem muito perto da Vila do Crispim; que ele tinha um parafuso de menos se notava, mas era manso e foi ficando.

A conversa de Sô Zico era o próprio samba do crioulo doido, era para se ouvir, mas não para se entender, porque ele contava uma historia em parcelas, dizia uma parte de um assunto de repente entrava em outro, mais outro e outro mais, e no final ninguém entendia coisa alguma, ele continuava falando e falando e embaralhando tudo, e coitado de quem pedisse esclarecimentos.

Pobre ele não era e não pedia nada a ninguém, era um mistério a fonte do dinheiro de Sô Zico, mas o certo era que ele pagava por tudo que precisasse, não trabalhava e passava o tempo andando pelas ruas do lugar, gostava mesmo era de contar suas historias que ninguém entendia, se alguém pedisse uma explicação ele respondia: não entendeu? Pois fique sem entender, quem é burro peça a Deus que o mate.

Sua historia preferida era a seguinte: sabe gente, eu ia pela rua e encontrei um periquito com a asa quebrada, ai sá Joana disse Tonho lava o passeio, e sô Teco passou a cavalo e entrou na enxurrada e o periquito piano no chão, ai o cachorro de Rosa mordeu o traseiro do cavalo e levou um coice, e Nega caiu de costa na grama do pasto e acabou-se a historia.

Com fama de doido e de rico, sô Zico tinha outra mania que lhe valeu o apelido de Troca Dez; com medo de ser roubado ele não falava em dinheiro, esse era um assunto excluído de suas conversas malucas, mas o bem humorado povo da Vila do Crispim levava tudo na brincadeira, e passaram a pedir ao coitado para trocar dez, toda vez que o encontravam.

No principio ele fingia não ouvir, empinava o corpo, enterrava o chapelão na cabeça e seguia em frente, mas ninguém desistia e os pedidos de troco continuavam; sô Zico acabou por perder sua reconhecida paciência, passou a reagir da pior maneira possível: atirava pedras e gritava os palavrões mais cabeludos, deixou de lado suas historias de variados assuntos.

Com o passar do tempo e já bem idoso ele parou de gritar, mas com sussurros quase inaudíveis ele continuava a xingar quem lhe pedisse para trocar dez, com a falta de forças ele parou de atirar pedras; muito velho e doente foi levado por pessoas caridosas, para um hospital em uma cidade maior onde morreu, e suas ultimas palavras foram: não troco dez, seu cachorro sarnento.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 10/09/2008
Código do texto: T1171538
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