POÇÕES DA SANTA

POÇÕES DA SANTA

Em Poções da Santa a vida era devagar quase parando, nada diferente acontecia e o dia a dia das pessoas era uma modorra só, de manhã os trabalhadores seguiam para as fazendas para trabalharem nas lavouras, e os demais iam para seus afazeres como o alfaiate, o pedreiro, o ferrador e outros profissionais que paravam para almoçar as exatas onze horas, e voltavam ao trabalho as quatorze horas depois de uma boa soneca, porque pressa era coisa de pouco ou nenhum uso naquele tranqüilo lugar.

E assim escorria o dia, com parada para o café da tarde e as dezessete horas a parada final para o jantar, as prosas em família, a reza do terço e as vinte e uma horas todos estavam em suas camas para o sono dos justos, mas essa vidinha mansa de repente foi agitada por um escandaloso acontecimento: o vigário da paróquia de Santa Rosa foi acusado do desvio de imagens antigas da modesta igreja do vilarejo, foi um falatório sem medida porque uns acusavam o padre e outros o defendiam, mas o certo era que as imagens estavam desaparecidas.

Em sua defesa o padre dizia que as antiguidades haviam sido roubadas por gente de fora, mas a maioria da população preferia acreditar na culpa do coitado, e os ânimos foram se exaltando e em pouco tempo a pacata Vila se transformou em um campo de batalha, onde as brigas pelos prós e contras ao vigário aconteciam a toda hora com tumultos e correrias, a pouca autoridade do lugar já não sabia o que fazer com tamanha confusão, e a situação piorando a cada dia que passava, as beatas rezavam e pediam paz, mas na verdade só queriam guerra.

Foram meses de fofocas e todo tipo de desavenças; a situação do vigário era insustentável, mas o idoso bispo da diocese decidiu mantê-lo na tumultuada paróquia, para não assinar em baixo das acusações de que o padre era alvo, e por mais que os paroquianos pedissem pela retirada do acusado, ele não mudava de opinião e dizia: o vigário vai ficar em seu posto, porque quem não deve não teme, mas a teimosia do senhor bispo foi derrotada pela violência daquele povo, que não queria ficar sem suas imagens de jeito nenhum, e como as benditas não apareciam.

Resolveram dar um susto no padre e foi assim: pegaram uma mula velha e piolhenta, colocaram um chapéu de palha enfeitado com grandes laços vermelhos em sua cabeça, e foram até a casa paroquial, a intenção era montar o sofrido padre sobre a mula mas ao contrario, e leva-lo até os limites do lugarejo onde o ameaçariam com uma garrucha até ele dizer onde estavam as famosas imagens, mas não funcionou como o esperado porque ele negou mais uma vez, então um homem chamado Urias disse: agora a gente mata esse mentiroso, se ficamos sem nossos santos, ficamos sem o ladrão também.

Quando Urias ia atirar, o sacristão gritou: não mata ele fui eu que roubei as imagens, e vendi para um homem da cidade grande, ai a situação ficou feia porque todos correram para cima dele e lhe deram uma surra histórica, na hora da confusão um mais sensato impediu que ele fosse morto e disse: se esse sacristão safado morrer perderemos as imagens, porque só ele sabe onde e com quem elas estão; pediram perdão ao caluniado vigário e o encarregaram de chefiar a comitiva que ia viajar para recuperar as polemicas antiguidades, e levaram o estropiado sacristão para mostrar o lugar certo.

Eles foram e voltaram com seus amados santos, o padre perdoou a todos que desconfiaram dele e aproveitou para pedir dinheiro para festejar a volta das imagens, com os rabos presos por causa do mau jeito todos contribuíram fartamente, foi armada uma festa nunca vista por aqueles lados em tempo algum; quando o andor com os santos chegou na metade do caminho, foi recebido pelas autoridades e pelo povo montados a cavalo e cantando hinos de louvor, foi uma alegria só comparada a visão das enormes mesas montadas na praça da igreja, cheias da deliciosa comida mineira.

Nunca se viu tamanha fartura de leitões, pernis, frangos e tudo mais que se possa imaginar, e a banda de musica tocando e foguetes espocando sem parar, antes da comilança o aliviado vigário celebrou uma missa em ação de graças pelo final feliz daquela enrolada historia; terminada a missa foi só alegria com toda aquela comida e bebida, e para adiantar a digestão segui-se animado baile até o dia amanhecer, depois da festa foram até a cadeia e deram mais um corretivo no sacristão e o deixaram as voltas com a lei dos homens e de Deus.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EdA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 08/09/2008
Código do texto: T1167317
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