TITONHO X MODERNIDADE
TITONHO X MODERNIDADE
Aquele era um cidadão diferente, nascido no final do século dezenove ele nunca entrou no século vinte, ficou fiel as coisas antigas e em sua casa novidades não entravam, era um fazendeiro que não se rendia coisas como: energia elétrica, tratores, automóveis, aviões, comida enlatada e outras coisas mais, o pior era que sua santa esposa dona Malvina pensava da mesma maneira retrograda e seus filhos e filhas viviam a maneira antiga e não tinham para quem reclamar.
Quando chegaram a idade escolar os meninos foram levados a Vila vizinha para estudar, mas as meninas não porque o antiquado Titonho achava que moças letradas não aprendiam os afazeres domésticos, e só iam querer saber de ler romances e escrever bilhetes para os namorados, mesmo os meninos não aprenderam grande coisa, porque só ficaram na escola o tempo suficiente para aprenderem a assinar os nomes e as quatro operações básicas de matemática.
Fechado em seu mundinho particular Titonho era feliz, porque dirigia a Fazenda da Montanha Lascada e a família com mão de ferro e ninguém reclamava, mas todos se ressentiam do autoritarismo paterno e da falta dos confortos que as outras famílias desfrutavam, o trabalho a moda antiga era pesado porque tudo era feito com a força dos braços dos filhos e dos colonos, como ele não aceitava as novidades não havia maquinas para nada.
O café tomado na fazenda era torrado numa enorme panela, socado no pilão e peneirado quantas vezes fossem precisas para ficar bem fino, o feijão era retirado das vagens com pancadas de varas, e passado por peneiras para a retirada do excesso de terra e assim por diante, tudo era feito da maneira mais difícil e tradicional; luz só de lampiões e lamparinas abastecidos com querosene, mas com o passar do tempo foi se tornando cada vez mais difícil ignorar a chegada do progresso.
De repente uma companhia grande encampou a pequena Força e Luz da vila vizinha e ai armou-se a encrenca, porque o traçado das linhas de transmissão teriam que passar pelas terras de Titonho, e ele não permitia de jeito nenhum aquilo que considerava uma invasão de seus domínios, e uma falta de respeito a sua pessoa; um engenheiro da tal companhia foi falar com ele e explicou tudo direitinho sobre as vantagens da mudança para toda a região, ele ouviu muito atento e parecia ter entendido, mas quando deu sua resposta estragou tudo.
A resposta de Titonho foi a seguinte: Sô dotor nas minha terra num passa esses arame de jeito nenhum, vai que cai um raio nesses troço e mata meu gado, quem vai pagá o istrago? O coitado do engenheiro se retirou e avisou a chefia da empresa o acontecido, veio então o próprio presidente da companhia e tentou convencer com muitos rodeios o teimoso fazendeiro, que não tinha jeito de mudar o traçado por causa das montanhas em volta.
A conversa do chefão também não funcionou, e ele disse a Titonho que ia conseguir uma ordem judicial para entrar em suas terras de qualquer jeito, e o velho fazendeiro gritou: Izé traiz os home, e um dos filhos do velho apareceu com todos os colonos da fazenda armados de carabinas, foices e facões, prontos para a briga, e Titonho encerrou a conversa dizendo: vem doto, mais vem quente que nois ta ferveno, prudentemente o doutor se retirou furioso.
Os caminhões da empresa de energia elétrica estacionado na entrada das terras de Titonho, eram as testemunhas do impasse entre a empresa e o velho, até que um curioso teve uma idéia brilhante, ele disse: é só chamar o doutor Sergino porque ele é a única pessoa que o Titonho ouve, e assim foi feito; o medico e prefeito do lugar era compadre e amigo desde a infância, era a pessoa que o fazendeiro confiava totalmente.
O doutor Sergino chegou na fazenda e foi logo acalmando Titonho, explicou a ele que não teria perigo algum, que seus pastos e seu gado estariam a salvo, e que ele estaria ajudando o lugar a progredir, e isso seria bom para todos, depois de muita conversa mansa o assunto foi resolvido, e o teimoso velho liberou a entrada das terras, e quando se convenceu que aquela coisa era segura mesmo, até se tornou amigo dos engenheiros e trabalhadores, oferecendo café, broas e frutas de seu pomar.
Com o bom andamento das obras, em pouco tempo a nova luz iluminava as casas da Vila e as propriedades rurais da região; querendo agradecer os agrados recebidos por seus engenheiros e operários, o presidente da companhia resolveu fazer uma visita de cortesia a Titonho, e aproveitou a ocasião para comunicar ao fazendeiro que ia mandar instalar a energia elétrica em toda sua fazenda como reparação pelos transtornos causados, e naturalmente tudo seria grátis.
A família do velho ficou na maior alegria, mas a alegria durou pouco porque ele agradeceu a gentileza e disse: oia doto nois já tamo acostumado com a luiz da lamparina, e vamo ficá quelas memo, aqui só vai muda as coisa quando eu morre; mudar a decisão de Titonho sua família sabia que era impossível, e o jeito foi se conformar e esperar; só que a espera foi grande, porque ele viveu mais vinte anos e morreu com cento e dois anos, só depois de sua morte as coisas modernas foram aceitas na Fazenda da Montanha Lascada.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA