GRIPE ESPANHOLA
GRIPE ESPANHOLA
Guerras deixam sempre seqüelas enormes e a Grande Guerra de mil novecentos e quatorze não foi diferente, porque além das mortes durante as batalhas, ela ainda espalhou pelo mundo inteiro a praga chamada Gripe Espanhola, nos paises europeus o estrago foi enorme pois as populações já enfraquecidas pelas privações sofridas durante os quatro anos de conflito, não tinham forças para enfrentar a terrível doença e morriam aos milhares.
Para tornar tudo pior os tratamentos antigos eram ineficazes, medicamentos poderosos como a penicilina, sulfas e outros remédios que são comuns hoje em dia, estavam para serem descobertos, e sem a barreira de bons medicamentos a doença varreu o mundo, foi saltando de um pais para o outro e contaminou de norte a sul e de leste a oeste, e naturalmente conseguiu chegar ao Brasil.
Naquela época o anspeçada Zurico estava no comando da guarda da antiga penitenciaria de Oliveira e levara com ele sua jovem esposa Marica, com apenas dezoito anos de idade era a primeira vez que a moça se afastava de sua família, e para morar nos fundos de uma cadeia cheia de bandidos perigosos, sendo a maioria condenados por assassinatos bárbaros, mas ela se sentia protegida pelo valente marido, e no principio corria tudo bem.
Mas de repente apareceu na cidade o primeiro caso da assustadora gripe, e mais um e outro mais, em pouco tempo perdeu-se o controle e a epidemia se alastrou, as mortes se sucediam e no principio os mortos eram enterrados decentemente; mas quando as autoridades começaram a morrer a confusão e o pavor se instalaram, e com o falecimento do coveiro a situação que era ruim tornou-se péssima, pois ninguém queria cuidar dos mortos, era o caos.
Como a penitenciaria era isolada da cidade a doença demorou um pouco para chegar, mas chegou e os presos adoeceram e os soldados da guarda também, em poucos dias a população carcerária foi reduzida de trinta presos para quatro, apenas um preso escapou da doença, era um condenado a trinta anos de prisão por assassinato; da guarda só restou o anspeçada e o jeito foi libertar o preso das grades e os dois cuidarem dos doentes, Marica cuidava dos afazeres domésticos e se mantinha afastada dos doentes por ordem do marido.
Os dias passavam e o que já estava ruim conseguiu ficar pior, porque o anspeçada Zurico apanhou a doença e ai só restaram de pé Marica e o criminoso condenado, ela passou a ajudar o preso nos cuidados com os doentes, mas de repente ela também adoeceu e o perigoso assassino ficou responsável por tudo: preparava sopas, cuidava da higiene de todos, saia a rua para conseguir remédios e alguém para ajudar, alguns remédios ele conseguia , mas ajuda não.
A tal gripe tinha os dias certos de duração, se o doente agüentasse aqueles dias, entraria em recuperação e acabaria por se salvar, mas a maioria morria e os que se salvavam estavam fracos demais e levavam um bom tempo para se fortalecerem e voltarem ao normal; assim que se sentiu com forças Zurico foi falar com o preso e agradecer sua boa vontade, e disse que não entendia como ele não se aproveitara da situação para fugir, obtendo do preso uma resposta surpreendente.
Ele disse: Seu anspeçada não foi por caridade que eu fiquei e cuidei de todos, nem por bondade porque eu não sou um homem bom, matei meu vizinho por causa de um balaio de milho e depois dele morto, enfiei a cara dele no milho e mandei ele ir comer no inferno; fiquei porque não tenho nada e nem para onde ir, estou preso a vinte e oito anos e dentro de dois anos serei libertado, e vou matar a primeira pessoa que eu encontrar fora da penitenciaria e voltar aqui para dentro, passei minha mocidade aqui e aqui vou morrer.
Debelada a terrível epidemia, a cidade e a penitenciaria voltaram a funcionar, as perdas foram enormes para todos, mas aos poucos tudo voltou ao normal; Zurico foi transferido de volta para a terra de sua esposa no sul de Minas, ele ainda foi prestar serviços em outros lugares do estado, mas nunca mais levou Marica com ele, o susto foi grande demais.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA