JANTAR DE MADRUGADA
JANTAR DE MADRUGADA
Naquela casa a vida corria mansamente, a família que ali vivia era feliz e alegre e pobres, mas o pouco dinheiro não era problema porque aceitavam sua modesta condição financeira, como coisa natural; não eram herdeiros de ninguém pois a pobreza vinha de varias gerações e era aceita como contingência da vida, mas se luxo não havia comida não faltava, e as refeições do dia eram insuficientes para o bom e saudável apetite daquela família.
Seu Casimiro o feliz chefe da família tomava um farto café da manhã assim que o dia amanhecia, antes de sair para o trabalho acordava o casal de filhos, dizendo: acorda Zé, acorda Maria já é hora de começar a comer, estudar e trabalhar, ele saia para sua oficina de alfaiate e os filhos se levantavam e tomavam o café da manhã caprichado servido por dona Lucinha a gorda e bem humorada esposa e mãe, depois que eles saiam para a escola, ela se servia fartamente das quitandas e café com leite, em paz.
Quando o velho relógio da igreja batia a ultima badalada das onze horas, Seu Casimiro entrava porta a dentro se dizendo morto de fome, as crianças chegavam logo depois e dona Lucinha servia um esmerado almoço, a família se fartava com todas aquelas gostosuras, degustada a sobremesa o dono da casa se deitava para tirar uma soneca, as crianças iam brincar e a dona da casa ia arrumar a cozinha, porque dona de cãs não descansa nunca.
Já descansado o chefe da família voltava ao trabalho, Zé e Maria aos estudos e dona Lucinha continuava em afazeres domésticos; as quatorze horas era servido o café da tarde muito bem acompanhado com broas, bolachas, bolos e o indispensável pão de queijo, e todos voltavam a seus deveres até as dezessete horas, quando depois do banho a feliz família se reunia para um excelente jantar, que se iniciava com uma substanciosa sopa e terminava com uma ótima sobremesa.
Todas as famílias do lugar depois dessa ultima refeição, se reuniam na sala da casa para tomar um cafezinho, conversar, receber os amigos, jogar cartas ou ler um bons livros, porque não havia coisas barulhentas como radio ou televisores, e as vinte e uma horas todos se preparavam para dormir, rezavam um rosário e dormiam na paz de Cristo; mas Seu Casimiro acordava no meio da noite se queixando de fome, e a paciente esposa ia novamente para a cozinha.
Enquanto os moradores da Vila da Moeda dormiam, Lucinha e seu Casimiro preparavam em sua cozinha comidinhas leves como: tutu de feijão com torresmos ou um bom frango com arroz, acordavam os filhos e comiam alegremente e depois de um ultimo cafezinho, voltavam para suas camas e dormiam o sono dos justos até o dia chegar e começar tudo novamente, aquela rotina nunca mudava e a alegria e a paz estavam sempre lá.
Mas numa noite gelada de inverno aconteceu diferente, porque quando seu Casimiro e a família se preparavam para comer, alguém bateu na porta e foi aquele susto, mas o dono da casa se encheu de coragem e foi atender, e quando abriu a porta deu de cara com a policia e ai se assustou mais ainda, porque era o mal afamado cabo Preto e dois soldados; seu Casimiro pensou: fizemos barulho demais e alguém chamou a policia, ai meu Deus vamos ser presos, que vergonha.
Tremendo de medo ele disse: boa noite para os senhores, fizemos alguma coisa errada? O cabo Preto respondeu: Boa noite para o senhor também, ninguém fez nada errado, é que durante nossa patrulha sentimos um cheiro delicioso de frango com arroz e o seguimos até aqui, acontece que estamos com muita fome e resolvemos pedir um pouco de seu tardio jantar, esclarecidas as duvidas todos entraram e se deliciaram com aquele frango maravilhoso, acompanhado de um saboroso cafezinho.
No dia seguinte a noticia do jantar noturno correu de boca em boca, e todas as noites seguintes Seu Casimiro e a família passaram a ter companhia nas suas investidas fora de hora na cozinha, enquanto só a policia aparecia eles foram agüentando, mas de repente todos os notívagos da Vila começaram a aparecer para fazer uma boquinha, dona Lucinha se zangou e disse: meu marido contente-se com as refeições do dia porque isso já virou festa, e a noite não cozinho nunca mais.
Moral da historia: mesmo no meio da noite, boa comida atrai bicões.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EdA