NASTACIA CAMINHÃO
NASTACIA CAMINHÃO
Era uma figura popular na Vila de São João aquela Nastácia: gorda, baixinha, faces rosadas, boca desprovida de dentes e redondos olhos esverdeados, sempre alegres e bem disposta, recebendo com bom humor as brincadeiras que lhe eram dirigidas; só uma coisa ela não gostava, era de ser chamada de Nastácia Caminhão, isso a alegre mulherzinha não suportava e se desmandava em palavrões e gestos obscenos e o motivo do apelido era seu traseiro.
Seu traseiro enorme que não combinava de modo algum com o resto do corpo era mesmo a traseira de um caminhão fordinho; para ver sua zanga os moleques da vila só a chamavam assim, a pobre mulher não se continha e eram aquelas cenas desagradáveis todos os dias, as pessoas serias do lugar ficavam indignadas um tanto com os engraçadinhos e outro tanto com a própria, sua língua suja e seus gestos grosseiros .
O bode expiatório do caso era sempre o coitado do delegado Zurico, que recebia queixas de Nastácia contra os moleques e das pessoas distintas contra a falta de modos da mulher; Zurico já não sabia o que fazer, pois já fizera de tudo para resolver o caso de uma vez por todas e falhara; varios rapazes já tinham sido levados à delegacia e aconselhados a deixar a desbocada criatura em paz.
Com o fracasso dos conselhos o delegado se zangou, prendeu e castigou com valentes surras os reincidentes, mas apesar do respeito e medo inspirados pela autoridade, eles continuavam a chamar Nastácia de Caminhão e ela a se esbaldar em desaforos; delegado Zurico mudou a tática, passou a prender Nastácia e vez por outra he aplicava uns cascudos, mas o resultado foi o mesmo.
Zurico resolveu esquecer o assunto, por mais que se queixasse ele não dava ouvido e o povo acabou por se acostumar ao inevitável, mas um dia, ou melhor, uma noite, o caso voltou à cena de maneira imprevista e tragicômica, foi bem assim: estava armado na Praça do Rosário um circo, desses que mambembavam pelo interior antigamente e Nastácia Caminhão era freqüentadora assídua.
Parecia que ela e os moleques tinham assinado um tratado de tréguas, durante uma semana inteirinha o povo da vila se divertiu em paz: nada de gritos ou escândalos para perturbar os apreciados espetáculos circenses, mas na noite da despedida do circo, um rapaz cansado naturalmente da monotonia daquela semana, perguntou a Nastácia se ela faria um carreto de lixo para ele, a mulher virou bicho.
Levantou-se de modo tão desastrado que caiu da arquibancada, só não quebrando os ossos com a queda, porque seu grosso vestido de arranca toco se agarrou ao gancho da armação e lá ficou ela dependurada da pior maneira para seu problema, pois ao cair ela volteou no ar e ficou com seu descomunal traseiro voltado para o respeitável publico, não estava descomposta, pelo contrario.
Estava muito bem coberta por um enorme calção fabricado com um saco vasio de farinha de trigo e nos fundilhos tinha impressa com tinta vermelha, a tradicional marca: Farinha de Trigo Buda Nacional; foi a maior noite daquele cirquinho vagabundo, o povo gargalhava e gritava: segura Caminhão senão o trigo entorna e a pobre criatura gritava todo seu vocabulário impublicavel.
Ninguém lhe prestava socorro, até que o delegado Zurico e um soldado conseguiram passar pela tumultuada assistência , subiram as arquibancadas e retiraram a infeliz de seu improvisado cabide; a mulher desceu quente, avançou aos tapas e pontapés em quem viam pela frente, os agredidos revidaram e o que era só um tumulto de divertimento, se tornou grossa pancadaria
Todos brigavam com todos, as cadeiras dos ricos se transformaram em armas de guerra e o pau quebrou firme, toda pessoa que tinha uma rixa se aproveitou da ocasião; o delegado e seus poucos soldados se viram em apuros para acabar com aquela confusão, o jeito foi Zurico puxar do revolver e atirar toda a carga para cima, foi água na fervura, em dois minutos no circo só restavam as autoridades.
O proprietário do circo e seus artistas olhavam desolados para aquela destruição, do circo só restou inteira a lona; o delegado saiu do circo bufando de raiva e foi direto procurar Nastácia Caminhão, deu-lhe quarenta e oito horas para deixar a vila com seu revolucionário traseiro e só assim conseguiu um pouco de paz para si e para o povo da turbulenta Vila de São João.
Maria aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA