E AI CHEGOU DONA COBRA

E AI CHEGOU DONA COBRA

Difícil nesse mundo é saber onde está o bom ou o mau, ninguém consegue saber o que a pessoa está pensando só de olhar para ela, e para dificultar mais as coisas geralmente os maus tem sempre cara de anjo, como o Candido Laranjeiro; ele era um doce de pessoa: jamais se exaltava, sorria amavelmente para as pessoas por mais modestas que fossem e era o melhor marido do mundo, sua mulher Ritoca se desmanchava em elogios o tempo todo.

As pessoas diziam que Candido merecia o nome que carregava, porque ele tinha uma alma cândida, pura, pura e até alvejada; e lá ia o santo homem, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, de onde só saia para ir a igreja e sempre acompanhado pela esposa e os três filhos, serio, limpo e compenetrado pois ele era Congregado Mariano, e entendia que aquela fita azul no pescoço significava pureza e respeito.

E respeitado ele era, e como era caridoso, as belas laranjas que ele cultivava em seu bem cuidado sito, eram distribuídas de graça para as pessoas carentes e presenteadas aos amigos, veio daí o nome Candido Laranjeiro; ele era rico por herança, vivia das rendas de seu bem nutrido patrimônio e estava sempre pronto para ajudar a quem precisasse de seus préstimos, o homem era a bondade com cara de gente.

Durante anos e anos o Laranjeiro desfrutou de sua aura de santidade, e ninguém jamais duvidou de seu excelente caráter, mas ai chegou dona cobra para bagunçar toda aquela tradição de pureza e paz, e aconteceu assim: o quase santo Candido, como todo ser humano tinha seus segredos, seus pensamentos impuros e seus desejos inconfessáveis, mas enquanto essas coisas estavam bem guardadas dentro de sua cabeça, tudo corria bem.

De repente Candido arranjou o costume de sair todas as tardes, para passear em um capão de mato que havia no sitio, e quando Ritoca perguntava o que ele fazia andando sozinho pelo mato, ele respondia que rezava em comunhão com a natureza, pela paz e felicidade do mundo; e os passeios e rezas continuaram por um bom tempo, e ninguém teve duvidas a respeito, seria um crime desconfiar daquele homem puro e caridoso.

Mas a verdade era que a finalidade daqueles passeios não era rezar, e sim se encontrar com a linda mulata Feliciana, ela levava sempre um cobertor azul que estendia no chão e o amor corria livre, leve e solto, mas naquela tarde de sexta feira as coisas desandaram, porque ela estendeu o cobertor sobre uma perigos cobra urutú cruzeiro , e quando ela se deitou a cobra assustada lhe deu uma mordida no traseiro, a mulata abriu o berreiro e o pobre Candido ficou em apuros, porque ele sabia que o urutú não brinca em serviço, e Feliciana morreria se não fosse socorrida logo.

O pior era que ele era um homem franzino e a mulata era forte e pesada, ele não tinha forças para carrega-la sozinho e se pedisse ajuda ficaria desmoralizado, então tomou a pior decisão: saiu correndo deixando a moça aos berros, e ela gritou tanto que foi ouvida por alguns lavradores que trabalhavam ali perto, foi socorrida por eles e levada ao hospital da cidade que ficava próxima.

Feliciana quase morreu, mas se recuperou e zangada com a desastrada atitude de Candido, contou o acontecido para os fofoqueiros da região que espalharam a novidade, e o assunto foi tão comentado que foi parar nos ouvidos de Ritoca, a esposa traída; Candido se defendeu dizendo que era mentira da mulata, e para se livrar de vez do escandaloso assunto, deu parte dela para o delegado do lugar por calunia.

O delegado intimou todos os envolvidos no caso para comparecerem a delegacia, e ao ser interrogada contou tudo em detalhes, e para provar que não estava mentindo. se referiu a uma pinta em forma de estrela que Candido tinha bem abaixo do umbigo, foi um vexame pois além dela só Ritoca sabia da tal pinta, a esposa ofendida partiu para cima do marido aos tapas e unhadas, e o povo horrorizado com a covardia daquele homem lhe virou as costas.

Candido perdeu sua aura de santidade, sua família o abandonou e seus amigos e até os carentes recusavam suas laranjas, e ninguém queria saber de seus favores, o padre o excomungou e para piorar as coisas ele foi preso e acusado de tentativa de homicídio, só se livrou da cadeia porque se dispôs a indenizar Feliciana com uma boa quantia, então a mulata retirou a queixa; passar de santo a demônio foi demais para o ex angelical Candido, que morreu poucos meses depois do acontecido.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 02/09/2008
Código do texto: T1158656
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