MANÉ CACHOEIRA
MANÉ CACHOEIRA
Inteligente a bem da verdade, Mané Cachoeira não era, mas era um profeta lá a seu modo, pois as vezes dizia coisas impossíveis naquela época e que se tornaram comuns e aceitáveis no momento presente; naqueles tempos esperava-se que todas as jovens se casassem virgens e vestidas de branco, pois naquela época a vestimenta branca era o atestado de pureza da noiva, e para garantir tudo isso, cada donzela tinha um pai que era uma fera, e só saiam da tutela do pai para a guarda do marido.
Pode parecer que a vida antiga era um mar de brancura e de inocência, mas não era nada disso porque os jovens de todas as épocas sempre foram iguais, com os hormônios fervilhando e a curiosidade sobre os mistérios da vida a mil; a tal curiosidade principalmente sobre sexo era difícil de ser satisfeita, porque os pais antigos não falavam no assunto que consideravam feio e impróprio, e os jovens aprendiam da pior maneira possível, fora de casa e com pessoas tão mal informadas como eles.
Se os rapazes sabiam pouco sobre os tais mistérios da vida, as moças nada sabiam e o casamento era encarado com muito medo por todos, mas se casavam mesmo assim para conhecerem a vida na sua totalidade, e o resultado era que os casais se entendiam em sociedade e não na intimidade, só não se separavam porque a separação para o homem não fazia grande diferença, mas para a mulher era a desgraça total porque mulher separada era olhada com desconfiança por todos, não recebia convites para nada, deixava de existir.
Mas voltemos ao Mané Cachoeira e sua mania de dizer oisas absurdas para aquela época; ele era amigo de dona Lêta e aparecia diariamente para visita-la e era bem recebido, fazia suas refeições lá e divertia a dona da casa com suas idéias amalucadas, como o medo que ele tinha do delegado do lugar, quando o via Mané corria e se escondia atrás de dona Lêta tremendo e dizendo: acode dona Lêta que o delegado quer me pegar, ela o acalmava e tudo ficava bem.
De repente Mané mudou o tom da prosa, e conseguiu desagradar sua boa amiga dizendo: sabe dona Lêta eu gosto muito de ir nos casamento, acho muito bonito de ver as noiva e os noivo, e gosto mais ainda das festa de depois, pra comer os doce e o bolo; mais eu gostei mesmo foi do casamento de Há mãe, porque eu fui no casamento de Há mãe, ai dona Lêta se zangou e disse : que horror Mané Cachoeira, ninguém assiste ao casamento de suas mães.
As pessoas decentes se casam primeiro, e só depois arranjam os filhos, você está ofendendo a memória de sua santa mãe, o Cachoeira não entendeu o motivo de tanta zanga, mas pediu desculpas e o assunto foi esquecido; os anos passaram dona Lêta e Mané Cachoeira se foram desse mundo, e o mundo foi mudando e chegou ao que é hoje, ninguém se preocupa com virgindade e sexo se tornou matéria escolar, o que é muito bom porque ninguém se esconde na desculpa da ignorância quando faz uma besteira, e a falsa inocência está morta e enterrada.
Mané Cachoeira se adiantou décadas ao afirmar que assistira ao casamento de Há mãe, mas agora isso é normal e perfeitamente aceitável, e além de assistir ao casamento de Há mãe, os filhos de hoje ainda carregam as alianças e tem o prazer de participar da festa e de comer os doces, e todos acham lindo e normalíssimo, e é mesmo porque qualquer coisa é preferível a falsa moral de antigamente; os casais modernos são mais alegres e felizes, porque se conhecem e se aceitam e isso é ótimo, e se as coisas não correrem bem se divorciam e partem para outro, e fica tudo bem.
Viva o mundo moderno.