O SUSTO DO NOIVO

No sopé de uma pequena montanha, Feliciano construíra, com muito sacrifício, uma pequena morada. Só faltava agora uma pintura decente. O tempo estava bom. Na charrete, baldes de tinta que ele calculou ser o suficiente, pelo menos, para pintar o lado de fora. Enquanto o cavalo se deliciava com umas exuberantes touceiras de capim, ele jogou as rédeas sobre o banco ao seu lado, apanhou um cigarro de palha, já elaborado, do bolso da camisa e ficou ali matutando sobre se deveria pintar primeiro o quarto do casal. Lurdinha iria adorar. Sorriu ao pensar no rosto alegre de sua noiva.

Ele possuía pouca cultura, mas era um rapaz muito bom e bonito. As mocinhas do pequeno povoado onde morava eram loucas por Feliciano. A moça menos bonita de sua comunidade, era, porém, a possuidora do melhor dote. Foi esta a escolhida de Feliciano que, mesmo sendo virgem, não era nenhum trouxa. Seria perfeito se o pai da moça não se chamasse N. Nicola e não fosse o valentão das redondezas. O primeiro assassinato de Nicola foi o cartorário, que vivia bêbado e que registrou seu nome errado. Ao invés de Jair, registrou Nair Nicola. No tempo de criança não havia sido fácil agüentar a zombaria dos moleques. Tiravam sarro, dia e noite, de Nair. Infância terrível. Com dezesseis anos, ele despachou o cartorário. A partir daí, passou a ser chamado de N.Nicola.

O casal de sabiás namorando numa árvore próxima fez Feliciano puxar seu lenço do bolso traseiro, sacar o chapéu da cabeça e enxugar o rosto, a precoce calva e pescoço. Aproveitou estar com a cabeça descoberta, para agradecer ao seu padroeiro, São José. Com a proximidade do casamento, ele, a cada dia ficava mais excitado. A sorte de Feliciano era a fogosa Kabry. Aliviava-se com ela. Porém, não via a hora de ter Lurdinha em seus braços. Já namoravam há mais de dez anos e ele só tinha conseguido beijá-la às escondidas cinco vezes. E nem eram aqueles beijos que ele via na televisão da casa do futuro sogro. Jurou que depois do casamento iria dar um daqueles demorados beijos. Ficou em dúvida e perguntou-se se os namorados das telenovelas, que beijavam enfiando a língua na boca do outro, mordiam essas línguas. Iria dirimir essa dúvida com o padre Juca. De repente, Kabry, que se alimentava no cimo da montanha ao avistar Feliciano, correu ao seu encontro. Ele adorava aquela cabritinha.

Feliciano morava no sertão pernambucano, distante de Recife, uns seiscentos quilômetros. Há dois meses, ele, os sogros, sua mãe e a noiva, foram até a capital em busca do enxoval para o casal. Feliciano ainda não tinha caminhado em uma cidade grande. Tudo era novidade para ele. Lurdinha já era mais viajada, seu pai tinha mais posses.

O velho Nicola era um pernambucano muito rude. Já tinha avisado o futuro genro que não queria saber de “gracinhas” antes do casamento. “Mando te capar se abusares de minha gorduchinha.”

Feliciano era uma pobre ovelha mansa quando estava perto do sogro. Em Recife, o sogro chamava a atenção da comitiva familiar para as poucas-vergonhas dos namorados adolescentes em plena luz do dia. “Vejam ali aquele moleque com aquela menina. Vê se pode? Será que essa molecada não tem pai e mãe para dar educação?”

Feliciano, só de ver aquela cena do amassos dos jovens, teve uma taquicardia. Repentinamente lembrou-se, saudoso, da jovem Kabry. Excitadíssimo, teve que tirar o chapéu e cobrir a zona fronteiriça, para não dar bandeira. Mesmo louco de inveja dos pivetes, abanava a cabeça concordando com a revolta do sogro.

Após o jantar, foi cada um para seu quarto na pensão familiar. À uma hora da manhã, Feliciano escutou leves batidas na porta do quarto. Apavorou-se. “É hoje que vou ser capado.” Apagou a luz do pequeno abajur e foi abrir a porta para expulsar Lurdinha dali.

Qual foi sua surpresa ao ver que não era a noiva, e sim o sogro, nessa inesperada visita. Antes de sujar o pijama e desmaiar, ao ouvir nitidamente o sogro afirmar: “Não se preocupe, meu nome é Nicola, mas não sou boiola. E, rindo, afirmou ter ouvido a frase num programa humorístico na TV, com o Wanderlei que não era gay. Recebeu um enorme beijo na boca e despencou no assoalho, cagadinho da Silva.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 30/08/2008
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