"O SONHO RECORRENTE"
(conto n.5)
De modo impessoal, ele tentou dizer-lhes o quanto aquilo o incomodava. Não obtendo acolhida, pensou no que faria a seguir. Não que isso fosse fácil, não que isso fosse o recomendado. Nem sempre pensar muito era o melhor a fazer...
Entanto, lembrou-se de todos os sonhos que alimentara quando ainda sentado no banco da faculdade e que permaneceram nos primeiros anos, antes da sucessão de pequenas renúncias - em nome da necessidade. A família que formara precisara de seu provedor e ele se adaptara.
A crise maior chegara com a meia idade, agora atingindo uma espécie de saturação dolorosa, e ela aliara-se às mudanças impostas na empresa. Ele fora avisado que teria um chefe, um jovem executivo, a quem prestaria contas. Ponderou que o jovem poderia ter atributos, estar mais atualizado que ele, mas sentia-se humilhado e sua promoção seria, por ora, inviável. A falta dessa perspectiva era muito dura e ficou desesperançado.
Enquanto juntava seus pertences, pensava no que desejava. Ter um barzinho à beira mar, pés na areia, coqueiros, mesas ao luar, violão, amigos.... O azul. Um tipo de liberdade. A deliciosa visão era tão real que parecia filme em sua mente, algo bem ao alcance de suas mãos. Percebeu, então, que aquilo o acompanhara pela vida, aquele desejo forte que nunca o deixara ser completamente feliz. Seu sonho recorrente.
Sorrindo pela primeira vez em semanas, fechou a porta atrás de si, encerrando, de vez, essa longa etapa de sua vida. O sol, que atravessava a janela do corredor, pareceu entender tudo o que sentia - e sua decisão.
Respirou fundo. Ergueu a cabeça resolutamente, desta vez, ao entrar em sua nova saleta.
Silvia Regina Costa Lima
18 de agosto de 2008