AQUI, NÃO SE FUMA

Maria Aparecida Hernandes casou com o namorado de infância, Evaristo da Silva, no Natal. Seriam dois festejos em uma festa só. Idéia dele que, além de não fumar nem beber, sempre fora muito experto: De todas as seis irmãs, Cida era a mais bonita e cobiçada no bairro.

Depois de um tempo, os pais de ambos ajudaram a comprar um apartamento, no bairro, perto de todo mundo. Até um dia em que Evaristo cansou de trabalhar com e para o pai, e aproveitando a dica de um amigo conseguiu um emprego numa agência das Casas Bahia, recém inaugurada no bairro. Experto como era, depois de nascer o primeiro filho, foi alçado a subgerente. Ao nascer o segundo filho, já era gerente.

A direção o enviou a Minas Gerais, na cidade de Uberlândia, gerenciar uma nova loja.

Em um ano fora defenestrado do cargo de gerente e convidado, experto como era, a tomar conta da seção de carpetes, tapetes e afins, que não andava bem das pernas.

Assim Cida contou a suas irmãs, durante umas férias que ela e os filhos passaram em São Paulo, no Natal, assim iriam a duas festas e visitariam as duas famílias. Idéia de Evaristo.

Também contou que o marido, de tanto tempo de ficar em pé na loja, correndo atrás de clientes ou esperando por eles aparecerem, uma das pernas de Evaristo também não andava bem, mostrando gordas varizes que o estavam atazanando.

Experto como era, teve a idéia de pedir aposentadoria por invalidez.

Uma indenização calou suas investidas que demoraram um ano e meio e comprou uma casa com ajuda da venda do antigo apartamento que estava alugado em São Paulo.

Na garagem, montaram uma loja de aluguel de fitas VHS.

Com o advento do CD e a pirataria anexa, o fluxo de freguesia foi rareando, assim como as prestações do carro, que teve de ser devolvido à revendedora. E enquanto a dívida da família crescia, a vontade de Cida de voltar para a casa da mãe também foi crescendo até entulhar todos os cantos da casa de Minas. Os filhos – também eles não fumavam nem bebiam –, um deles sofrendo de aguda psicose maníaco-depressiva, o outro, menos, iam e voltavam da rua, expulsos da escola e do shopping, como se não tivesse ninguém a esperá-los angustiada.

Evaristo atrás de bicos, o dia inteiro, ela atrás do balcão, com as moscas e as fitas que poucos ainda alugavam, o mesmo dia inteiro.

Desfalecida de tédio e cansada de angústia maternal, Cida andava vendo uns fantasmas pela casa: uma anciã silenciosa perambulava pelos corredores e um moreno de camisa azul, gostava de se mostrar pela janela do banheiro – contara ela, arrepiando as duas irmãs que a visitaram nas férias de verão. Na volta, aproveitaram para levar os dois sobrinhos com elas para São Paulo a serem examinados por um psiquiatra conhecido e tão amigo que nem cobraria as seções de terapia. Evaristo as acompanharia e, experto como era, aproveitaria para descolar uma grana com o pai, que também não fumava nem bebia.

Um alívio festivo que durou uma semana de solidão para Cida.

Ao voltar com os filhos, ainda pirados, Evaristo encontrou a loja fechada e, dentro da casa, Cida não foi encontrada. Nem na da vizinha, que era sua amiga, nem na da Neusa, dona do Sacolão da Economia de quem era quase amiga. A outra vizinha, a que era quase inimiga, cochichou de mãos juntas e sorriso enigmático, às outras duas, que eram suas amigas, ter visto Cida na rodoviária, fumando, bebendo e rindo à toa.

– Com um moreno de camisa azul e uma velhinha caquética.