E foi que não era.
“Mas, então, tenho eu que viver entre doidos?”
(Lewis Carrol – Alice no país das maravilhas)
Na maioria das vezes que Alice me apareceu veio como nuvem no céu. Seus olhos de coisa pré-existida, seu sorriso de talvez-que-é, sua cara de boneca polonesa: e assim digo por não me lembrar de nada agora além de que seu nariz vivia a dizer absurdos.
Como já disse, chamava-se Alice, mas prefiro a gentileza que desaba de seu nome composto: Ana Alice. A primeira vez que chegou veio a galope em cavalo-marinho e vestida de lua minguante. Trouxe-me de presente uma caixinha de música do silêncio. Foi embora andando de costas e eu fiquei com a sensação de prever o futuro.
Na segunda vez, não veio, já estava vinda: sentada, disse-me que me esperava havia muito e me mostrou o braço acusador que trazia no pulso o Relógio de Deus. Foi embora logo, carregando nos olhos jovens a velhice das mulheres que esperam.
De vez terceira, veio em pés de perdão saltitante e me falou com boca cheia de saliva encantada que havia encontrado rio de água chorante onde mulheres lavavam, com próprio suor, as roupas inteligentes dos reis. Roupas que os ratos não roem de burros.
Quando devia me aparecer de quarta vez, veio de quinta. Tomamos chá de vazio, comemos biscoitos de imensidão e ela fez chover para que tudo fosse aconchego. Eu fui embora com a barriga cheia de pensamentos sorridentes.
E assim multiplicaram-se as vezes em que nós nos íamos uma a outra. E foram várias às vezes em que a perguntei se era fada fugida da fantasia, se era assombração que se mente de anjo, ou se apenas era filha de bicho mitológico com cabeça de leão. Nunca me respondeu. Só sorria seu costumeiro sorriso. E brilhava no rosto suas sardas de “e-se-for?!”.
Mas, um dia, ela se apresentou a mim. E eu nunca mais a conheci.