A Rosa

O que eu havia feito para que isso ocorresse? Por que esse destino tão amargo me foi reservado? Fazia-me perguntas que eu sabia não ter resposta. E agora, de que adiantava me indagar? Eu não poderia saber, eu nunca iria imaginar. De nada isso me adiantava. Agora eu estava sozinha na sala, sendo aquecida apenas pela lareira. Olhei para o lado e vi uma gaveta, onde eu não mexia há muito tempo. Abri a gaveta e sabia que neste momento seria difícil fechá-la. Comecei a remexer e agora, me prendia a lembranças, imagens e sons.

Estou andando em uma linda floresta. Vejo o céu azul, com nuvens brancas, muitas árvores, um calmo e discreto lago no centro, tudo muito silencioso. Tudo está bem, estou admirando o lago, o céu, mas de repente, aquele silêncio que me parecia tão bom, se tornou monótono e começou a me incomodar. Decidi então caminhar, comecei lentamente e fui aumentando aos poucos, até que vi um vulto ao lado de uma roseira vermelha, André?

Quando o vi meu coração palpitou, minhas pernas tremeram e minha respiração acelerou. Fiquei admirando de longe, enquanto ele olhava para as rosas, para o céu azul. Ele não me viu, decidi me aproximar. Quando cheguei, olhou para mim e sorriu. Não disse mais nada e saiu. Embora não tenha dito nada, esse sorriso me fez querer voltar a esse mesmo lugar todos os dias, na esperança de revê-lo.

Todo dia depois da escola passava naquele caminho e ficava horas esperando, sentada, andando. Uma vez fiquei até escurecer esperando e chegando em casa tive que dar uma bela explicação para não levar uma bronca. Isso estava me atrapalhando, comecei a tirar péssimas notas, não prestar atenção nas aulas, sem vontade de sair, fazer outras coisas, só pensando em André. Não entendo, como pude sentir tudo isso e só pensar em uma pessoa que mal conheço? Decidi esquecê-lo.

No dia seguinte voltei para casa por outro caminho. Andava tranqüilamente, quando resolvi sentar e descansar. Para minha surpresa surgiu André. Mais lindo do que nunca, dessa vez ele veio até mim e me surpreendeu com um beijo. Nesse dia também demorei até tarde, mas ao me ver chegar em casa feliz e segurando uma delicada rosa, meus pais não disseram nada, apenas se olharam.

Subi até o meu quarto e coloquei a rosa em um vaso. Agora estava bem melhor, passei todos os dias no lago, mas não só, como antes, mas como o André. A rosa estava se abrindo, a cada dia ia crescendo e se tornando mais linda.

Fui buscar minha prima, Mari, na rodoviária, fazia tempo que não a via e contava as novidades. Nos abraçamos e fomos de carro até minha casa. No caminho, lembro de ter ouvido minha mãe comentar algo como "que azar você deu Mariana, até ontem estava o maior calor , hoje, pouco antes de você chegar, começaram a se formar nuvens negras no céu, acho até que vai chover... ". Não choveu, mas as nuvens negras continuaram e foram escurecendo e aumentando de tamanho.

Chegando em casa, fomos logo para o meu quarto, ela me contou algumas novidades e eu, é claro, contei de André. Disse que ele era o mais perfeito, carinhoso, o melhor e mostrei a flor que ele havia me dado. Ela ficou encantada e disse que queria conhecê-lo. Eu disse que ia combinar.

Quando minha prima estava lá nos divertíamos muito, colocávamos nossos CDs preferidos, fazíamos brigadeiro, assistíamos a filmes, íamos passear na cidade mais próxima e quase todo dia de manhã, íamos andar, fazer exercícios, correr. Ela me dizia que fazia tempo que não ia até um sítio e se divertia assim.

Após alguns dias deu certo de minha prima e André se conhecerem, apresentei os dois e percebi que Mari agiu de modo estranho. No dia seguinte, minha prima se mostrou mais interessada em saber sobre mim e o André, perguntou como nos conhecemos, se fazia muito tempo, se eu gostava mesmo dele, se eu achava que ele gostava realmente de mim, e outras coisas. Achei algumas perguntas estranhas, já que ela nunca tinha dado muita importância antes, mas mesmo assim respondi com toda sinceridade.

Minha prima ia ficar durante bastante tempo em minha casa, já que estávamos no inicio do verão. Por isso não demorou muito para que ela e André se reencontrassem. Quando isso ocorreu, percebi que ele também estava um pouco estranho, aliás, fazia algum tempo que eu tinha reparado essa estranheza em ambos.

Quando estava escurecendo, fomos os três para a sala e ficamos sentados um pouco. De repente, ouvi um grito de dor, vindo do meu pai e logo após um pedido de ajuda vindo da minha mãe. Fiquei desesperada.

Fui correndo até lá e percebi que os dois também vinham atrás, mas lentamente. Quando cheguei no lado de fora da garagem, encontrei meu pai no chão, todo machucado e com uma escada em cima de seu corpo, a qual minha mãe tentava retirar. Chamamos uma ambulância e fomos todos para o hospital.

Enquanto meu pai estava sendo examinado, minha mãe contou que ele estava arrumando algo no telhado da garagem, em cima da escada, quando um dos pés da escada quebrou e fez com que ela caísse em cima dele. Ao ver o que aconteceu, minha mãe tentou ajudá-lo e gritou por ajuda.

Meu pai levou sete pontos no total e, quando foi permitido, entrei no quarto do hospital para ficar com ele, revezando com minha mãe e deixando André e Mariana sozinhos na sala de espera. Fiquei cuidando do meu pai e após algumas horas, quando saí do quarto, encontrei somente minha mãe esperando. Ela me disse que os dois haviam ido comer alguma coisa, pois não agüentaram esperar e eu, então resolvi continuar no hospital.

Acordei e meu pai ainda dormia, fui até a janela e vi que as nuvens estavam bem maiores. Minha mãe ficou no meu lugar e eu fui para minha casa buscar algumas roupas, pois meu pai devia ficar mais uns dias no hospital de observação.

No meio do caminho encontrei Mariana, ela se assustou ao me ver e disse que precisava falar comigo, eu disse que mais tarde falaríamos, mas ela não concordou. Eu disse que se fosse uma conversa rápida tudo bem, ela então começou a falar. Perguntou-me se eu confiava no André, eu disse que sim. Se eu já o tinha traído, eu disse que nunca e que nem pretendia. Ela disse que eu não devia confiar nele e ainda que eu deveria terminar com André. Perguntei várias vezes a ela porque me dizia tudo isso, como se já tivesse dito tudo, ficou calada e saiu andando. Eu não a impedi, fiquei um tempo parada e continuei meu caminho. Raios estalaram pelo céu.

Quando cheguei em casa, não conseguia nem pensar direito, dei uma arrumada na sala e fui para o quarto dos meus pais pegar umas roupas. Estava indo embora, quando lembrei de ir para o meu quarto.

Ao chegar lá via as coisas de Mariana arrumadas como se já fosse embora, apesar de ter falado que iria para sua casa só dali a duas semanas. Arrumei uma pequena mala com coisas que eu precisaria no hospital. Estava saindo, quando olhei para a rosa, sua cor não era mais a mesma, não era mais aquele vermelho vivo, nem tinha aquele toque macio; agora estava seca e áspera e suas pétalas estavam quase soltas. Saí de casa.

Andava lentamente, só pensando em tudo que Mariana havia me falado. Dei uma parada, sai correndo em direção ao antigo lago, deixando tudo que estava em minhas mãos para trás. Cheguei ao lago e fiquei apreciando, quando novamente corri, mas dessa vez em direção à roseira.

De onde eu estava, ainda não dava pra vê-la, mas eu sentia que ia ficando mais próxima. Estava quase chegando, ouvi vozes baixas, pensei que podia ser André. Cheguei mais perto e vi, André estava lá, mas não sozinho e sim com...MARIANA. Corri para o hospital, enquanto a tempestade desabava sobre minha cabeça e ia me molhando inteira.

Quando cheguei lá, meu pai tinha acabado de dormir e minha mãe estava ao seu lado. Quando me viu perguntou se eu tinha visto minha prima e eu respondi que não. Ela então me contou que Mariana havia resolvido ir mais cedo para sua casa, no fim da tarde iria para a rodoviária.

A lareira apagada me fez despertar. A imagem dos dois na roseira e a voz de Mariana sussurrando no ouvido de André, que ria, estava sumindo. Retirei a rosa de dentro da gaveta e a fechei. Joguei a rosa nas últimas chamas da lareira, enquanto minha última lágrima por André escorria por minha face.

Claudia Mendonça
Enviado por Claudia Mendonça em 09/08/2008
Reeditado em 02/11/2008
Código do texto: T1120168
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