O pianista e o Motoqueiro
O pianista estalou os dedos. Passara por aquilo centenas de vezes. A multidão olhando atenta cada movimento seu, o silêncio cada vez mais envolvente na platéia, e o arfar de sua própria respiração.
Sentou-se na banqueta de couro macio tingido de cinza, abriu seu piano, companheiro de vários anos e olhou para as próprias mãos. Os longos dedos já aquecidos para a apresentação que logo começaria, as unhas bem aparadas e sua larga aliança na mão esquerda.
Sabia que sua esposa estava na platéia, na primeira fila, da mesma forma como fazia em todas suas apresentações. Sempre sua espectadora mais afoita e ansiosa. Gostava de saber que ela estaria ali, sua maior força naquele momento de tensão, mesmo após tantos anos.
Respirou fundo uma última vez e lançou-se vorazmente ao teclado bem cuidado de seu piano. O som vibrante das teclas preencheu todo o auditório, entrando por cada poro de cada corpo ali presente, trazendo ao pianista um misto de dor e alegria que o fazia atacar com maior fúria as teclas.
Gostava de iniciar suas apresentações com essa mesma música, para criar junto à platéia o ritmo que precisava para tocar com maestria. E muito tempo depois de terminada a apresentação, o som ainda entrava pelos seus ouvidos e preenchia todo seu corpo, fazendo-o até mesmo tremer.
O motoqueiro pisou no primeiro degrau. Ouviu o estalar da fechadura atrás de si e, mesmo sem olhar para trás, já sabia que não poria mais os pés naquela casa enquanto estivesse vivo.
Enquanto descia cada degrau em direção à entrada da propriedade, ouvia o som de suas botas pesadas estalando a madeira velha sob elas. Sentiu o frio de julho atacar seu rosto desprotegido, enquanto vestia as luvas grossas, próprias para a pilotagem no inverno.
Ainda sem olhar para trás, fechou o último botão de sua jaqueta preta, e vestiu suavemente seu capacete, também preto. Neste momento parecia uma grande mancha negra destacando-se da paisagem esbranquiçada do inverno, sem neve, mas por muito pouco.
Sentou-se sobre a moto, uma grande e pesada motocicleta, estilo custom, girou a chave e deu a partida. O pesado som do motor de oitocentas cilindradas fez tremerem as folhas dos arbustos ao redor, derrubando o orvalho que já começava a se acumular.
Com um estrondo a grande motocicleta saiu pelo portão da velha casa em direção à cidade, exatamente para onde nem mesmo o motoqueiro saberia dizer com certeza.
O motoqueiro não viu as lágrimas que caíam do rosto que o olhava partir por trás da janela.
A CONTINUAÇÃO DESTE CONTO ESTÁ NO LIVRO "INTROSPECÇÃO - CONTOS PARA PENSAR", À VENDA NESTE SITE!
O pianista estalou os dedos. Passara por aquilo centenas de vezes. A multidão olhando atenta cada movimento seu, o silêncio cada vez mais envolvente na platéia, e o arfar de sua própria respiração.
Sentou-se na banqueta de couro macio tingido de cinza, abriu seu piano, companheiro de vários anos e olhou para as próprias mãos. Os longos dedos já aquecidos para a apresentação que logo começaria, as unhas bem aparadas e sua larga aliança na mão esquerda.
Sabia que sua esposa estava na platéia, na primeira fila, da mesma forma como fazia em todas suas apresentações. Sempre sua espectadora mais afoita e ansiosa. Gostava de saber que ela estaria ali, sua maior força naquele momento de tensão, mesmo após tantos anos.
Respirou fundo uma última vez e lançou-se vorazmente ao teclado bem cuidado de seu piano. O som vibrante das teclas preencheu todo o auditório, entrando por cada poro de cada corpo ali presente, trazendo ao pianista um misto de dor e alegria que o fazia atacar com maior fúria as teclas.
Gostava de iniciar suas apresentações com essa mesma música, para criar junto à platéia o ritmo que precisava para tocar com maestria. E muito tempo depois de terminada a apresentação, o som ainda entrava pelos seus ouvidos e preenchia todo seu corpo, fazendo-o até mesmo tremer.
O motoqueiro pisou no primeiro degrau. Ouviu o estalar da fechadura atrás de si e, mesmo sem olhar para trás, já sabia que não poria mais os pés naquela casa enquanto estivesse vivo.
Enquanto descia cada degrau em direção à entrada da propriedade, ouvia o som de suas botas pesadas estalando a madeira velha sob elas. Sentiu o frio de julho atacar seu rosto desprotegido, enquanto vestia as luvas grossas, próprias para a pilotagem no inverno.
Ainda sem olhar para trás, fechou o último botão de sua jaqueta preta, e vestiu suavemente seu capacete, também preto. Neste momento parecia uma grande mancha negra destacando-se da paisagem esbranquiçada do inverno, sem neve, mas por muito pouco.
Sentou-se sobre a moto, uma grande e pesada motocicleta, estilo custom, girou a chave e deu a partida. O pesado som do motor de oitocentas cilindradas fez tremerem as folhas dos arbustos ao redor, derrubando o orvalho que já começava a se acumular.
Com um estrondo a grande motocicleta saiu pelo portão da velha casa em direção à cidade, exatamente para onde nem mesmo o motoqueiro saberia dizer com certeza.
O motoqueiro não viu as lágrimas que caíam do rosto que o olhava partir por trás da janela.
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