Casarão 2

II – CASARÃO

O menino em mim adormecido, jogado para dentro de pesadelos, sem consciência para sonhar, um triste pedaço do jogo refeito , sobre lençol branco e macas que rangem,

sondas de infinitos e transparentes tubos, enfiados para dentro de minhas veias, as pessoas estão fora de meu estado de solidão e abandono, roupas brancas que se afastam para dentro de minha alma,com injeções e liquido espalhado para dentro de um copo

de liquido leitoso e gosto acre, que percorrerá este corpo em estado de

angustia e solidão...

Deus-Ninguém

...dias já passados, sem alegria, dor no peito geridos na raiz dos

desencontros. Vejo os segundos que correm sobre o relógio na parede, sei que sempre uma repetida noite viajará para meu destino,como se a escuridão e a luz tivessem de participar de um mesmo destino...

não tenho nenhuma noticia de minha casa, sei da distancia e da morna tristeza que invade o casarão, cada um vivendo seu calvário,um pedaço da própria morte, rostos que se tornaram mascaras e não conseguem sorrir...estou tentando dar um sentido nas desarticuladas palavras embrulhadas em bulas e com cheiro de clorofórmio

uma enfermeira larga uma revista, folheio paginas e paginas,vejo um verde de floresta, pessoas bem vestidas de saúde, algumas mortes, casas destruídas, canhões, guerras , mulheres sorridentes , anúncios e mais anúncios...esqueço meus olhos na passagem de um tempo que nunca aprendi a conhecer, o destino de cada um é definido, somos todos sós e palavreamos a vida com a exatidão do silêncio, o útero da solidão parindo esperança, sentindo a invasão de ver matos ciprestes e galhos estendidos como forcas nos varais deste hospital...vou deixando as linhas de palavras irem percorrendo o rosto envelhecido deste caderno, são rugas de sentir os gestos cansados no pouco tempo já vivido

tempo de pensar

cansado do sentir

as escritas vão nascendo lentas, cansadas como este corpo jogado sobre esta maca, vou costurando a lembrança do casarão e suas sombras que estão pisando um chão abandonado e de veias rasgadas dentro do destino de cada um, lembranças com gosto de morte...ervas daninhas vicejam em chão esburacado, minhas pessoas amadas olham por janelas um infinito que não é dado conhecer.

Deus-Ninguem – Por que esta solidão ?

Porque este jeito tão solitário de dizer as coisas, olhar estas paredes sem respostas, vegetar como silencio sem forma, sentir olhos cansados e oprimidos se derretendo sobre minha doença, levantar o memorial de meus dias inválidos, perceber que neblinas vão se afundando para dentro de meus pulmões, que toda claridade é a espera da noite por vir, ter no escrito o desespero e sentir que minha resistência é finda, desprovida de sentido...o relógio marca hora de um tempo que é presente, um hoje solidificado de ausências, o desfalecimento quando os olhos se fecham diante da escuridão...penso em escalar este espaço de palavras ainda não escritas, perfurar pedras da construção, reter dentro de meu silencio a lama do esquecimento...

Sou frágil e quebradiço como cristais, isolado num quarto frio e aromatizado de essências vegetais...acordo no meio da noite com fantasmas caminhando apressados dentro do quarto...

Um outro dia acordei sentindo uma mão deslizando pelo ventre e tocando meu sexo, mãos aranhas de uma gorda enfermeira,velha, no olhar trazia uma procissão de mortos, rugas, boca de baton vermelho e um risco de lápis nos olhos...

_ por favor...deixa...deixa...abandone-me...

lagrimas nos olhos, falou da viuvez, do filho morto num tiroteio e apalpava...apalpava...dizia – você já é homem...homem ...apalpava meu silencio...minha boca trancada, muda ...mexia...mexia

e

tudo que restou foram manchas grudadas e molhadas no lençol , a sensação dolorosa de um prazer feito entre mortos, cansaço arrancado do medo e da vergonha por não entender a dor da mulher,de seu desconhecido mundo interior, da idade já sem conquistas, a beleza destruída pelo tempo e pela gordura nas faces brancas...morta e arrancando e catando pedaços de prazer de seus doentes...

...meu sexo era um peso quase morto, jogado para fora de meu corpo,sozinho e sem sentido...um pedaço de achar êxtase na eclipse de uma noite desesperada de desencontros...

mais alguns dias de dores acalmadas

levaram me para um jardim, a fachada do hospital trazia a imagem de uma prisão pronta para preparar seus mortos...fiquei numa cadeira de roda , via outros doentes como espectros se movimentando com a expressão de uma alucinada e terrível noite sem vestígios de esperança...as horas purgando sua corrida dentro do

tempo...uma imagem de uma cruz vazia de madeira envelhecida,talvez seu filho estivesse procurando seu pai, este Deus-Ninguem, para dizer que tudo é inútil...olhos que não podem ver, a chaga de sangue envelhecido dentro da memória...o vinho mal repartido, coisas desacreditadas na mesa do cotidiano...o pescador e a rede vazia de fé, tempo para falsos justos e milagres forjados

volto para o quarto

medo de sentir medo

dor escondido na força dos remédios e sais abandono, sinto que as palavras também buscam sua via-crucis , tenho tentado jogar as verdades para dentro desta noite forjada em esquecimento, rebuscando uma memória de palavras marginais, sem significado e

sem roteiro que não seja gritado pelo abandono, é uma escuridão que avança para dentro da garganta sufocando o que resta de minha alma

tentando dizer não as coisas, o ar fica pesado de desespero, e ÊLE

calado, distante de ler os cantos que minhas palavras escurecem em cartas imaginarias, preciso destas lembranças ...

triste não ter um remédio para a dor incrustada na alma, ter o desapego de viver, rostos transfigurados em apagados espelhos de imagens enegrecidas, sentindo a memória sem ilusão e que muitas noites me encontrarão com o corpo envidraçado de visibilidade enferma,

difícil não entender em que escarpas e sob peso de pedras , minha vida vai sendo construída diante de meus olhos, frente a arvores escurecidas e montanhas umedecidas de desenganos, estremecer de desencantos, a ironia presente...sem saída apenas imagino que estou

transformado num ser que desconhece a si mesmo e busca entender

o salitre preso nas lagrimas, os pensamentos doces do coração buscando o casarão e um amargor estampado na face dos médicos e enfermeiros...

cabugue
Enviado por cabugue em 05/08/2008
Código do texto: T1114155