AMARGA DECISÃO

O ônibus da fábrica estaciona na pracinha da igreja. Lucélio era um dos primeiros a descer do veículo. Saía da fábrica, passava no boteco, jogava uma conversa fora e, por volta das nove horas da noite, chegava em casa. Era assim todos os dias. Infalivelmente encontrava Silvia no sofá com os olhos arregalados defronte a telinha da TV, deliciando-se com alguma novela. Beijava a esposa e, antes de curtir o filhão recém-nascido, fazia minucioso lavatório das mãos e, pé-ante-pé, entrava no quarto. Sorria, orgulhoso, ao ver o bebê dormindo, só de fraldas, esparramado no berço sugando a chupeta.

A tênue luz do abajur era suficiente para permitir que ele, embevecido, ficasse ali algum tempo conversando mentalmente com o filho. Os devaneios nessas horas eram inevitáveis; assim, jorravam pensamentos milionários relacionados ao futuro do menino.

Adorava ficar contemplando os cabelos loiros encaracolados e as rosadas bochechas da criança mais linda do planeta, em sua opinião.

— Silvia, traga-me uma cachacinha, estou batendo um papo com nosso campeão.

— Psiu! Fale baixo, assim vai acordá-lo!... Você não quer fumar na sala?... Ele não anda muito bom da bronquite e o médico sugeriu que eu também não fumasse no quarto.

— Que nada, esses médicos estão por fora! Meu pai não largava do cigarro de palha e eu tô aqui, firme, não tô?

Mesmo contrariada, Silvia cala-se. Tinha medo de que ele se irritasse e saísse para os bares.

“Prefiro que ele fume e encha a cara aqui em casa, assim evita muita coisa ruim.” — pensava conformada.

Passa-se vinte anos.

Dia dos Pais.

Lucélio e Silvia estão no interior do ônibus que os levará até a fazenda onde o Júnior está em tratamento há três meses.

Ao lado da janela, Lucélio parecia não ver o multicolorido da paisagem. Sua mente fazia outro percurso. Como num filme, nostálgicas lembranças do passado se descortinavam nitidamente naquele momento.

Quando noivo, temia não conseguir realizar seu sonho de ser pai. Depois, veio o medo de o filho nascer com algum defeito físico.

Casou-se. Logo ocorreu a esperada gravidez. Podia, neste instante, sentir sua mão acariciando a barriga de Silvia, que já estava no sétimo mês. A ansiedade do pré-parto, a incontida alegria do nascimento de um filho saudável, o engatinhar do menino, os primeiros tombos... A infância, a escola, o alegre colorido de um lar feliz, principalmente depois que ele havia abandonado o álcool e o cigarro.

De repente, nuvens cinzentas na vida do casal. Como num passe de mágica, houve uma mudança desvairada no filho adolescente, que passou a ser um estranho no ninho. Não era mais aquele menino amável, educado, zeloso e asseado. Tornou-se rebelde e irresponsável. Lucélio não teve muito trabalho para certificar-se que seu adorável filho tinha entrado no labirinto das drogas.

Ele sabia que enquanto existissem ”portas abertas”, a mente doentia do filho iria protelar qualquer decisão para abster-se do uso das drogas. Ele, como pai, tinha de decidir e agir rapidamente, antes que fosse tarde demais.

Sente agora seus olhos marejados com o pensamento dessa penosa, mas necessária tomada de decisão. Há quatro meses mandou o filho para fora de casa.

“Amo você, porém, odeio sua droga. Aqui você não mora mais enquanto não aceitar um tratamento. E vai sair com a roupa do corpo. Cansamos de ser roubados por você.” Enquanto via seu filho se afastar de casa, em prantos, a dor que sentia era como se uma faca em brasa estivesse rasgando seu peito.

Júnior, depois de um mês, ligou para a mãe querendo voltar para casa. Aceitava o tratamento, mas não queria mais falar com o pai. Foi outro duro golpe para ele.

O ônibus parou no destino, próximo do Centro de Recuperação de Dependentes Químicos. Mesmo triste Lucélio quis respeitar a vontade de Júnior, que não queria falar com ele. Disse à esposa que ia esperá-la na pequena capela perto do local onde o filho estava.

No silêncio da igrejinha, conversava com Deus há quinze minutos. Pedia perdão por ter sido um mau exemplo para o filho no tempo em que bebia e fumava. De repente, sente uma mão em seu ombro, vira o rosto e vê o filho e a esposa.

Júnior com uma face serena, antes de abraçá-lo pede sua bênção e lhe diz sorrindo:

— Obrigado, meu velho, por não ter sido um facilitador para mim, e um Feliz Dia dos Pais!

12/8/2006 20:08:11

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 02/08/2008
Código do texto: T1109743