O Oriente

O Oriente

O balanço da velha Pickup da Willys me levava para dois destinos: o primeiro, o da Serra branca, garimpo de Cassiterita, onde estava seu Francisco, meu pai, à procura do minério da salvação - perambulava entre tantos outros garimpeiros, cada um com o seu sonho a realizar, o dele: fazer do filho um médico.

O Garimpo de Serra Branca ficava à margem direita do Rio Maranhão em Goiás, que após receber as águas do Paranã, passa a se chama Tocantins, indo, juntar-se ao rio Araguaia,para em seguida desaguar nas vertentes do velho Guama, isso já bem perto de Belém do Pará. E, dependendo do sucesso daquela operação que: se positiva, me levaria para o vestibular de medicina junto à Universidade Federal do Pará. Se negativa, teria de voltar para casa e seguir a minha vidinha de professor do Ginásio Desor. Amilton de Barros Velasco em Palminópolis em Goiás.

Só para encurtar a conversa, o que eu não tinha mesmo era o dinheiro para seguir viagem, e dependia do socorro de meu pai, que ali estava embrenhado na busca do dinheiro da cassiterita para a minha tão almejada viagem.

Levava comigo, além do sonho, uma rede para dormir e alguns pertences, dentre eles, um que eu carregava com muito zelo: um relógio Oriente digital, que ganhara de presente de meu irmão Adelino, isso no dia do meu aniversário próximo passado. Custou, à época, a bagatela de 60 cruzeiros.

Depois de atravessar o rio e pegar o destino da encosta da tão falada Serra branca - aquela condução mais parecia estar a nos levar para o confins do mundo. Estradas improvisadas, morros ingrimes, teriam que serem transpostos de qualquer jeito, aquilo fazia dos motoristas e seus passageiros, verdadeiros aventureiros, fazendo jus à uma frase de para-choque, que não mais esqueci: “Montado na morte a procura da sorte”.

E lá chegando, maior ainda foi minha surpresa quando pude concluir que as finanças de meu pai estavam mais combalidas que a condução que eu deixara há poucos minutos. O Jeep da Willys que trouxera para ganhar dinheiro, não mais funcionava, restava apenas contar com a grande sorte que poderia vir do barranco que comprara com os poucos trocados que sobrava, além de alguns motores velhos necessários para tocar o serviço.

Após os cumprimentos de praxe, em que não faltou o caloroso abraço, capaz de matar a saudade de seis meses da distância que o mantinha separado de sua família. Fomos conhecer o seu local de trabalho, bem na encosta da serra. Antes tive que improvisar um curativo na sua perna, ferido que foi por um motor que estava indo embora na enxurrada da forte chuva que caía.

O lugar era de uma beleza indescritível: um imenso vale rodeado por uma cadeia de montanhas, vegetação com árvores retorcidas típicas do cerrado, vez ou outra podia vislumbrar a beleza das flores que superando a temperatura do agreste nos presenteava com suas belezas de cor e nuances. E serpenteando vale adentro inúmeros barracos que abrigava os trabalhadores da Cassiterita.

E estando ali a observar a beleza do local, recebemos a visita de um moço: alto, forte, de voz estridente, muito conhecido dos garimpeiros, trazia consigo a fama de ser o fanfarrão do lugar. Era o Alcibíades, nordestino da gema, homem respeitado no lugar, apesar de tudo dizia ter o grande privilégio de ser amigo de meu pai, fato que me deixou mais tranqüilizado. Ao cumprimenta-lo, ficou exposto o meu oriente digital que trazia no punho do ante ante-braço direito. Ao vê-lo ficou como que paralisado, e em seguida disse: ganhei minha aposta!, ganhei minha aposta! Tu vais me vender esse relógio, não quero saber do preço, com ele vou receber o dinheiro que casei. Apostei que existia relógio sem ponteiro, e meus amigos vão me pagar o prêmio.

Vamos, diga logo menino quanto custa!

Não posso... foi presente... e nesse caso não tem como vendê-lo, vai de encontro aos nossos princípios. Que princípio que nada depois você compra outro e seu irmão nem vai notar. Foi daí que meu pai interveio dizendo... filho, você vai para Belém e lá pode comprar outro igual.

E entendendo o recado, disse logo: só se for pelo preço que custou: Cr$ 1.000,00. ( um mil cruzeiro).

Mil é muito, pago 900 e não se fala mais nisso!, dou logo do bolso 400, e o restante repasso dentro de trinta dias depois para o seu pai.

E foi daí que pude em seguida retomar o caminho e seguir meu destino para Belém Pará. Na minha viagem de volta tive outra grande surpresa, foi quando o veículo que nos conduzia foi tragado pelas águas do rio Maranhão e por pouco eu não perecia junto com ele.

Deus estava mesmo comigo naquele dia!

Me ajudou a vender o relógio e ainda me salvou da morte no rio. Dali para frente ao certo tudo iria se dar bem! Senti que o universo conspirava a meu favor!

Fui aprovado no vestibular, e hoje posso estar aqui a contar esta história, em que a evolução tecnológica fizera a substituição dos ponteiros do relógio por meio de uma bateria que acoplado a um painel de cristal líquido permite a leitura das horas sem os tais ponteiros.

Bendita invenção que foi capaz de me proporcionar os meios tão necessários para que eu pudesse concretizar o sonho: ser médico um dia.

Que deus possa guardar bem aquele garimpeiro, já que foi morto poucos meses depois de nosso encontro, ali mesmo no garimpo da Serra branca.

Salve o relógio Digital!

Salve a tecnologia!

Dr. Jales Paniago

( Crônica)

Jales Paniago
Enviado por Jales Paniago em 29/07/2008
Código do texto: T1103107