Manimal

E ele galgava a montanha com extrema maestria, olhos de lince mirando seu cume, nas pernas a força de dez touros, nos pés a firmeza das garras de um urso, tudo na medida certa. A neve caía torrencialmente mas o homem não se abalava, ele tinha uma determinação de tigre, a confiança de um leão e o espírito leve e altivo de um falcão. Mil, dois mil, três mil metros sobrepujados, sua boca salivava, seu pulmão arfava, ansiava o topo.

- Senhor, vamos voltar! A tempestade está muito forte!

- Se quiser pode voltar. Eu vou chegar até lá!

Entre tantas qualidades a sua maior sem dúvida alguma era a sua teimosia, uma mula seria mais sensata. E com tamanha irresponsabilidade ele continuava galgando a montanha, seus instintos à flor da pele, como um animal! Como um animal... Sedento por sangue, ansiando por sangue.

A cada passo o objetivo mais próximo, a cada respiração um novo ímpeto, a cada batida de seu coração uma nova vida.

O topo já era avistado e suas pernas não mais se moviam por sua vontade, elas tinham vida própria, eram formigas correndo em direção ao açúcar, abelhas procurando flores, mariposas em busca da luz.

- Senhor! Não há mais como! Uma avalanche pode cair a qualquer momento!

E ao contrário do que todos esperavam o homem realmente parou e pensou. Considerou as condições climáticas, avaliou a sua preparação física, ponderou sobre a possibilidade de uma nevasca ainda mais forte, checou seus equipamentos... Lembrou das promessas de sucesso que havia feito. Continuou... Subindo... Mais nenhuma hesitação.

E ele subiu, se esforçou, caiu, levantou, continuou e subiu novamente. Agora menos de cinco metros o separavam do topo e ele já sentia em sua boca aquele gosto... Sim aquele gosto doce, ardente, salivante... O gosto da vitória. Subiu e não pensou em mais nada, apenas subiu. Não ouvia mais nada, não enxergava mais nada, não cheirava, tão pouco tateava... Ele sentia a montanha. Como um animal... Como um animal. Animal, besta maravilhada, ser agraciado de ignorância...

Chegou ao topo. Finalmente alcançou seu objetivo. No fim ele havia saído vitorioso, ele era o vencedor... O único vencedor! Ele parou... Olhou em volta, apreciou a vista, se lembrou de tudo que havia passado para chegar até aquele lugar, imaginou a cara de inveja dos que não acreditavam nele, imaginou qual cara de desprezo seria a mais adequada para a ocasião. Mais uma olhada... E então ele avistou... Uma montanha ele avistou, mais alta, mais escura, mais castigada pelas constantes nevascas e avalanches, mais propícia a causar inveja, mais...Desafiadora.

Pegou suas coisas, arrumou seu equipamento, deu três suspiros e andou em direção à nova montanha. Essencialmente humano...

Gabriel Dudziak
Enviado por Gabriel Dudziak em 10/02/2006
Reeditado em 10/02/2006
Código do texto: T110145