Shame

Foi muito rápido, sinceramente não esperava, logo eu todo desanimado encostado no balcão daquele pub, usando uma calça jeans rasgada e uma camisa amarrotada do Sisters of Mercy, bebendo mais um copo de cerveja, me segurando para não vomitar. Foi assim, do nada, ela chegou sorridente com um copo de uísque na mão, se encostou no balcão ao meu lado, olhou nos meus olhos, meteu o dedo no copo e mexeu o gelo depois o colocou na boca, (aquele velho truque manjado de sedução feminina, que sabe lá Deus porque ainda funciona) pronto, estava perdido.

Poucos minutos depois estava eu dirigindo a caminho de casa ao lado daquela garota desconhecida, a qual eu não tive se quer curiosidade de perguntar o nome. Ela falou durante todo o trajeto, não sei o que ela estava falando, não estava afim de prestar atenção, para falar a verdade eu não sabia nem como estava conseguindo dirigir.

No elevador, mais amassos, a porta do apartamento abriu bruscamente e se fechou antes mesmo que eu conseguisse acender as luzes. Trabalho para achar o interruptor no escuro quando se está bêbado, mas enfim, fez-se a luz e de repente ela parecia completamente deslumbrada com o apê, parecia que tudo a agradava, os quadros recém comprados na Praça da República, os quais eu não tivera tempo de pendurar na parede e se encontravam em cima do sofá, as almofadas esparramadas pelo chão, os livros na estante, e pimba, a pilha de discos ao lado do velho Philips vermelho.

Era uma coleção considerável de discos comprados no sebo durante anos, não eram grande coisa ,mas me custaram uma pequena fortuna, ela começou a fuça-los de cabo a rabo, e todos pareciam agrada-la, achei estranho, talvez ela estivesse tentando me agradar. Fui ao banheiro dar uma mijada e comecei a escutar o chiado da vitrola, começa o teclado do The Motels, era Shame, a música mais pop deles.

Voltei pra sala e me deparei com a garota fazendo strip ao som daquela música quase desconhecida de 1985. A garota levava jeito, sentei na poltrona e a observei atentamente, ela parecia mais bonita, teria passado o efeito da bebida? Será que era a iluminação? Não sei, o caso é que ela prendeu minha atenção durante os quatro minutos de música, no final estávamos entre as almofadas e os discos entregues à danação. O efeito da bebida causava uma dormência agradável na boca enquanto a beijava. Finalmente um fim de noite realmente excitante, ainda mais para mim que já estava habituado a passar as madrugadas de insônia assistindo programas evangélicos.

Aquela garota era realmente um presente dos céus, do qual eu não me julgava merecedor. Talvez ela estivesse tramando me furar com uma tesoura enquanto eu estivesse distraído ou quem sabe me levar algum DVD dentro da bolsa no dia seguinte, preferi não pensar nisso, talvez ela tivesse algum tipo de atração por homens de aspecto taciturno igual a mim, afinal tem tanto tipo de tara nesse mundo, tem até gente que transa com animais.

No dia seguinte, roupas pelo chão, dor de cabeça, gosto ruim na boca, radio relógio despertando, a garota acordando, se vestindo, retocando a maquiagem no espelho do banheiro e em seguida caindo fora sem se quer tomar um café com leite para não sair em jejum.

Fiquei alguns minutos sentados no sofá, pensando na noite anterior, depois me levantei e comecei a dar uma organizada na sala, recolhi os discos espalhados e encontrei um pedaço de papel entre eles. Era o cantinho de uma página de agenda escrito a caneta, era o nome e o número de telefone da garota misteriosa. Passei algumas semanas pensando em entrar em contato, mas não estava muito seguro, será que eu estava com medo de ser rejeitado depois de ter sido desejado? Não sabia ao certo, só tinha uma maneira de saber quais eram as intenções da garota.

Peguei o telefone e disquei o número, escutei a primeira chamada, a segunda, a terceira, desliguei. Rasguei o papel e joguei na privada, depois dei descarga, os pedacinhos de papel giraram no pequeno redemoinho, e desapareceram. Pronto, lá se foi qualquer possibilidade de um segundo encontro.

Gosto de lembrar da garota dançando Shame em cima do meu sofá e fico feliz por não ter entrado em mais um possível relacionamento recheado de tédio e mesmices. Mas quem acreditará na minha estória?

Já Morreu
Enviado por Já Morreu em 25/07/2008
Reeditado em 30/07/2008
Código do texto: T1097658
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.