Queda livre
- Nunca vão nos deixar em paz, disse, por fim. Não há outra saída.
- Eu tô com medo.
Uma segunda olhada para o chão fez com que estremecesse. Dessa vez, com mais força.
- Calma, não precisa ficar assim. Vou cuidar de você e ficar do seu lado até o final. A dor vai acabar, prometo.
Enquanto dizia isso, segurou com o pouco de força que lhe restava as mão úmidas e trêmulas a sua frente. Olhou de relance e viu uma pequena multidão se formando. Não era assim que havia planejado as coisas; não precisava disso.
Não queria público, confete, aprovação e muito menos reprovação. Não queria ser mais um mártir facilmente esquecido, nem o dono da verdade... queria liberdade. Uma liberdade que não sabia como conseguir, no auge dos seus 15 anos.
Todos lá embaixo olhavam de um jeito indefinido: misto de medo, curiosidade e até mesmo uma certa repulsa. Ao ver tantos olhares, sorriu com desprezo.
André já estava acostumado com aqueles olhares. Um tanto hipócritas, um tanto cheios de uma repulsa inexplicável: ele nunca havia feito nada a nenhum deles, então por que dirigiam a ele olhares assim? Suspirou profundamente outra vez e viu nos olhos da pessoa que mais amava aquela dor que ele conhecia tão bem. Antes de odiar aquela hipocrisia toda, odiava mais ainda ver aquela dor nos olhos do Felipe. O seu Felipe.
O único que sempre esteve ao lado dele. O único que o conhecia do início ao final e nunca o havia abandonado; o único que realmente merecia todo o amor e dedicação. O único que estava disposto a ir com ele até o fim. E daí que era muito novo? Quem foi que disse que existe idade para se amar?
- Me abraça com força? - disse Felipe, por fim.
André o abraçou com toda a força enquanto o outro chorava desamparado. Os dois queriam que aquilo terminasse logo, como qualquer pessoa assustada num pesadelo deseja acordar. A única diferença é que ambos estavam acordados. Surpreso por conseguir se acalmar, André aninhou Felipe contra o seu peito e afagou aqueles cabelos castanhos com a consciência de que aquela poderia a última vez que faria aquilo. Sorriu com ternura e disse:
- Vamos? Está na nossa hora. Enxugue estas lágrimas, nenhum deles merecem te ver chorar.
Felipe desajeitadamente enxugou seu próprio rosto e, forçando um meio sorriso, começou a limpar o rosto do seu companheiro com carinho
-Não merecem as nossas lágrimas. Eu te amo. Como jamais amei ninguém.
- Também amo você. Mais do que imagina.
- Até o fim?
Até o fim.
Encararam-se por uma última vez e beijaram-se com paixão e era como se não houvesse nada nem ninguém além deles naquele momento. Abraçaram-se e com toda a coragem que ainda restava, pularam. Sentiram o vento rápido no rosto, o nada envolvendo-os numa queda livre. Em certa altura, os corpos se separaram, mas agora nada poderia ser feito: não tinha volta.
Ninguém sabe ao certo se a expressão no rosto daqueles rapazes era de pavor, alívio ou até mesmo as duas coisas. O que se sabe é que André e Felipe se jogaram do 13° andar de um edifício numa área nobre da cidade, após uma exaltada discussão com os pais.
E que nunca haviam ouvido um barulho como o daqueles dois corpos caind contra o asfalto. Finalmente haviam conseguido se livrar da dor e dos olhares curiosos e cheios de repulsa. Não incomodariam mais.
Nunca mais