A lista
Apressada, como sempre. Olhos fixos no relógio, praguejando minutos perdidos. Acendia um cigarro no outro. Os pés tamborilavam o chão em um ritmo descontínuo. Um ritmo metropolitano.
Ninguém disse que seria fácil.
Guiou a mão à frente, em um gesto tímido. Certo de seu ato falho, incerto de sua reciprocidade. Contentou-se com um aperto de mãos. ‘Como nos velhos tempos’, lembrou a si mesmo.
Ninguém disse que seria tão difícil.
Ela evitou as formalidades, por meio das palavras e dos gestos. Queria que tudo terminasse o mais rápido possível. Seus óculos escondiam olhos vermelhos – lágrimas insistiam em cair.
A impaciência demonstrada em todos os por menores. Voltou-se mais uma vez para o relógio – era o seu horário de almoço, e ela já se preparava para esbravejar quando ele apressou-se em entregar-lhe a chave.
A chave do apartamento.
Ela também sabia que não seria fácil. Pegou a chave do outro, sem trocar olhares. Sentia que ele buscava seus olhos vermelhos. Que ele precisava de respostas que só ela teria – se as tivesse.
Ele passou a manhã empacotando lembranças. O caminhão as levou todas, consigo também as esperanças – os sonhos já não existiam mais. Voltou ao começo, após repetidas voltas em círculos.
Seus pais concordaram em hospedá-lo enquanto procurasse um novo lugar. Deixou para trás o apartamento, o carro e o futuro que planejaram juntos. Não queria se desfazer das memórias – das cartas, das fotografias e da gente que foi embora.
Aos empacotadores uma pequena lista passou indiferente. Nela, alguns nomes. De garotas. Mas não a ele. Enquanto casado, se perguntava por quê ainda a guardava. Não precisava tê-la para lembrar dos rostos, dos abraços e dos momentos que cada nome na lista lhe proporcionou. Mas ela significava mais do que saberia explicar.
Quase a jogou fora no dia do seu casamento, mas a tinha desde os 11 anos, começou-a logo após seu primeiro beijo no jardim do colégio que estudou a vida inteira.
Agora, após entregar a chave, viu-a partir como tantas outras fizeram – e prometeram não fazer. Sem se despedir, ele retira do bolso o papel, já amarelado pelo tempo, e anota mais um nome – mais uma mulher que achou ser ‘a’ mulher da sua vida.
Sem se despedir, todos os nomes partiram um mesmo coração. Em vão, sem razão, sem emoção ou definição. Aquele que ficou desejava respostas, sem saber as perguntas - sem saber as regras do jogo.
Ninguém disse que seria fácil.
E todas as vezes foi o fim do mundo, foi a dor que ninguém nunca sentiu. Ele quase desistiu, quase confundiu-se com a vontade de não ser. Mas sempre se recuperou. Confundiu então a lágrima com o sangue e com o suor.
Ela andava para longe quando olhou uma última vez em sua direção. Dessa vez ela procurou seus olhos. Ela entrou no carro e se tornou então um nome, uma esperança perdida. Ele olha mais uma vez para o seu nome na lista e diz para si mesmo que dará a volta por cima novamente.
Para isso, ele precisou entregar a chave, abandonar o que construíram juntos e vê-la entrar no carro sem olhar mais para trás. Só assim poderá recomeçar. E ele precisava murmurar adeus de longe, mesmo sabendo que ela não iria ouvir – seja pela distância, seja pela (ausência de) vontade.
Ninguém disse que seria tão difícil.