Trânsito de Vênus
Noite alta, neblina e poucos faróis. Ela dirigia com o sangue sóbrio mas com a alma embriagada; ainda tinha no corpo as impressões digitais dele. Seu cabelo recendia o perfume inconfundível do homem que a trouxera à vida outra vez, e outra vez as palavras dele haviam ficado impressas com tinta permanente em cada neurônio. A voz, a voz ainda ecoava, ecoava em seus ouvidos.
Dirigia como se flutuasse lutando contra o vento, nunca querendo chegar, pois chegar significava estar longe dos lábios dele. Ia para casa como se fosse para o cadafalso, pois o final do caminho era o final dos tempos, o final do tempo em que estariam tão próximos. Depois daquelas ruas, apenas a imensa distância e apenas a possibilidade de um remoto reencontro sem data marcada. Depois do presente, nenhum futuro.
De repente, um desvio. Àquela hora, um despropositado desvio. Carros de polícia, sinais luminosos e um guarda fosforescente, assobiando e gesticulando para que se dobrasse à direita. E à direita ela dobrou, e dobraria à esquerda se assim lhe fosse dito. Porque de nada sabia, nem de caminhos nem de retornos. Aquele era apenas mais um dos tantos desvios de rota em sua vida nada linear.
Andou por muito tempo, não tinha idéia de onde estava. Apenas sabia que estava se distanciando dele, a cada minuto, e não a cada metro. Tanto fazia estar perdida na metrópole de madrugada quanto num país estrangeiro: a sensação da solidão iminente era igualmente avassaladora.
Seguiu sem rumo, à esquerda, à direita; seguiu placas, seguiu seu instinto, seguiu o fluxo dos raros automóveis que ainda àquela hora se aventuravam aqui e ali. Seguiu seu coração que parecia querer explodir, de medo de que a saudade avançasse o sinal vermelho. Seguiu suas pernas que tremiam sobre os pedais do carro, não mais pela emoção do encontro de há pouco, mas pela expectativa de que a paixão estacionasse em local proibido.
Chegou enfim. Desceu do carro, entrou em casa e a atmosfera do cotidiano entrou pelas suas narinas como se por um túnel. Olhou em torno e não havia indicações, nenhuma placa a orientá-la - nada de fotos, cartas, livros, bilhetes. Desesperou-se: agora sim, estava de fato perdida.