Na doceria

Era uma doceria de esquina, daquelas freqüentadas por senhores de respeito, por famílias de renome e por casais em lua de mel. O nome fazia um arco na vitrine, mas já não vive na memória de alguém. Talvez essa doceria nem mesmo exista mais, e hoje seja um daqueles cyber café repletos de tecnologia e de solidão.

Sentados a uma mesa próxima ao bar, lá estavam eles. Talvez a mesa ao lado estivesse ocupada, talvez não. Realmente não importava para ele, nem muito menos para ela. A mão dele estava sobre a dela, segurando-a com força, como que com medo de perde-la se a soltasse, se a desse as asas que seus sonhos sempre forjaram.

Nenhuma palavra precisava ser dita. Ele sabia que a vida era curta para um romance. Mas o tempo é eterno para aqueles que amam, Shakespeare lhe dizia ao ouvido. O silêncio era absoluto e sentenciava toda a verdade que precisava ser dita nas palavras que não precisavam ser pronunciadas.

A garçonete lhes passou o cardápio, mas sabia que eles não pediriam algo. Como todos aqueles que passam a tarde num café e só tomam dois capuccinos. Uma lágrima caiu do rosto dela. Ela sabia que aquela seria a sua última vez com ele, naquela doceria, em Buenos Aires, ou em Paris, quem sabe em Roma? A memória já falha.

Mas ela ainda precisava lhe dizer muitas verdades. Precisava lhe dizer como aquele silêncio só dificultava a despedida. Que aquele era um adeus que não precisava ser. Mas que deveria, apesar de ela não saber a razão para isso.

Ela o queria ao lado, para sempre. Não é errado viver um sonho. Ela o viveu com ele aqueles dias, daquela primavera que ela nunca esqueceu, e que contou depois aos filhos e netos, com sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos. Ela não queria acordar.

Ele não acreditava que ela existia. Que alguém como ela se sentia como ele, que via o mundo do mesmo jeito que ele. Ele precisava acreditar na paz daquele sorriso.

A voz morria nos lábios de quem não queria dizer. Ele escreve algo num guardanapo, enquanto ela olha com aqueles grandes olhos castanhos que realçam o branco da sua pele e lhe dão aquele ar de sinergia e perfeição. Eram labirintos aqueles olhos.

Ele sabia que os dois eram suspeitos de um crime perfeito. A maldade então era não concretizar o desejo. Ele joga, sem jeito e com medo, aquele pedaço de guardanapo às mãos dela, e se levanta como quem se retira pra sempre de uma vida.

Ela se apressa em ler, e também em se levantar e correr ao seu encalço. Ele já não a esperava. Ela o surpreendeu, como da primeira vez em que se viram. Segura a sua mão e ele não consegue olha-la nos olhos.

Eles nunca deram adeus. Nunca chegaram a se despedir. Ele limpa a lágrima que agora caía sem controle dos olhos dela. Deus sabe como não queria lhe fazer chorar. E como lhe doía ser a causa daquela dor.

Um beijo, uma canção de amor. Um blues, um compromisso. Pra vida inteira, até quando a vida for vida e valer ser vivida. Foi essa a promessa que acompanhou os versos que não chegaram a ser escritos, mas foram erroneamente descritos no silêncio daquele beijo a dois.

A garçonete olhava sem embaraço, como meio que com descaso, esperando que lhe acontecesse o mesmo amor, fruto do mesmo acaso.

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 11/07/2008
Reeditado em 08/11/2008
Código do texto: T1075417