Anésio

Anésio, potiguar de Mossoró, estudou numa escola rural até o terceiro ano do ensino fundamental.

Naquela época com dezesseis anos, com pêlos espalhados pelo corpo e um tesão incontrolável por Carminha, uma irresistível pretinha de terras vizinhas. Tinha sonhos de conhecer outros fenômenos naturais diferentes em tudo das rajadas do vento norte e daquele sol escaldante, que teimava em queimar o seu calejado costado.

Através de fotos coloridas e de péssima resolução conheceu nas aulas de geografia as pseudo-riquezas de São Paulo. Encantou-se com o desenho sem formas que os edifícios espalhados formavam na fotografia. Fascinou-se com a fumaça preta que saía das chaminés das indústrias poluidoras, formando nuvens de figuras assustadoras no céu sem brilho. Não se assustou com estas imagens tão progressistas e com a grandiosidade mesquinha e acolhedora da metrópole.

Sonhou com andaimes, tijolos de barro, tijolos de cimento, concreto armado e sem alma, telha de amianto, telha de barro, reboco, madeira, ferro. Sonhou com a construção de uma basílica, que seria oficialmente inaugurada no dia seguinte após o término da construção com a primeira missa celebrada pelo Padre Cícero de São Paulo.

Olhou para os olhos e corpos cansados de seus pais. Fitou, um a um, os seus quinze magricelas irmãos e prometeu a si mesmo que aquela seria a última rajada de vento norte que a sua face prematuramente envelhecida pela vida iria respirar.

Colocou algumas roupas amassadas num saco de farinha de mandioca sem mandioca, e, fugiu amassado para São Paulo.

Conhecia a metrópole através de fotografias tiradas por um fotógrafo amador, que nada conhecia de foco. Não tardou a reconhecer alguns edifícios estampados na fotografia. Resfriou-se ao respirar o ar pesado daquelas nuvens pretas, que formavam desenhos de ogros, que sinalizavam para o novo habitante felicitação pela sua chegada.

Não demorou a encontrar amigos e estes tinham as suas fotos penduradas em diversos locais públicos. Estes modelos fotográficos levaram-no a conhecer a verdadeira São Paulo. Ele, sensibilizado e quase aos prantos, agradeceu a estes maravilhosos e atenciosos cicerones. Estava feliz e ansioso por estar na cidade, onde construiria a igreja que o alegrou nos sonhos.

Em Mossoró era um burro de carga.

Seu retrato colorido e sem sorriso ocupou os mesmos locais públicos de seus amigos. Cartazes proclamavam toda a população a encontrá-lo, pois a sua fama espalhou-se por toda a capital.

Feliz, talvez por ser uma personalidade tão disputada, honrou o seu emprego de transportador de cocaína. E esta, sempre prestativa a seus vassalos, entregou-o aos homicídios, e estes mal entendidos o conduziram ao cárcere.

Ficou como hóspede especial na “Casa de Detenção” por quinze anos. No pavilhão oito era cordialmente chamado de “Anésia” por seus amigos e protetores.

Tinha privilégios por ter os olhos verdes, que conseguiu através de alguma herança genética, talvez fruto de algum estupro em família num passado não tão remoto.

Tinha privilégios por ter o corpo bronzeado. Suas formas e medidas lembravam, e muito, algumas das mais famosas modelos. Estes aspectos agradavam a virilidade contida de alguns detentos mais poderosos.

Deixou a penitenciária cercado de boas recordações. Se quisesse, teria emprego fixo em diversas comunidades. Também poderia tentar a vida como travesti, mas não. Preferiu respirar o ar da liberdade (sic) por algum tempo.

Conseguiu um emprego como servente de obras numa construtora. Apenas não conseguiu se livrar do talco maldito.