A perda
Anoiteço devagar, com a mesma demora te aproximas de mim. Sinto frio, no corpo e na alma, a brisa do mar me obriga a chegar ao teu peito, consolo e refúgio, estímulo e mistério.
As estrelas testemunham a tua timidez, pareces ter medo de mim, como se te pudesses perder num primeiro toque. Teu sorriso é tenso, tuas mãos, desbravadoras.
De repente me abraças, me enlaças... Sinto um arrepio que me tira do chão, e numa grande confusão de sentimentos ignoro a vida ao nosso redor.
Um silêncio se faz, não existe ninguém além de nós, só consigo ouvir tua voz a me dizer que gostastes do meu cheiro... Emudeço, enlouqueço, reconheço, tuas carícias são aquilo que há séculos esperei.
Coração bate forte, meu corpo me desobedece, me jogo em teu colo, não existo além dele. Enfim me beijas com desespero, retribuo teus carinhos olhando o céu, nunca com brilho tão intenso, doce pintura do Criador para nós.
O balançar da rede te desconcerta, lutas contra as leis da física, alerto para o risco de queda, fazendo-te rir ao imaginar a cena. As risadas duram pouco, as palavras são proibidas, comunicas-te comigo por afagos, numa linguagem que nunca ouvi, mas compreendo perfeitamente.
Sinto culpa por sentir, medo por me entregar. Uma música ecoa, insistente, em meu íntimo: canção de tristeza, abandono, vejo-me sozinha, a relembrar nossos momentos. Lembranças ou previsões?Atemorizo-me e ao te olhar percebo que te escondes, nossos corpos estão unidos, mas tua alma está muito distante.
Sofro ao entender o quanto tua falta dói nesta presença, a mais cruel ausência que já senti. Tento prolongar teu êxtase e assim dificultar tua partida... Percebo que não me pertences, nem no ápice do amor.
Não te sinto com plenitude, busco defesa da paixão pensando na dor, que física já não é mais. Teus beijos são caminhos sem volta, teu corpo, onda traiçoeira. Não te consigo esquecer, não tenho para onde fugir, renasço, enfim.
Por instantes, esqueço dos meus temores e correspondo, sentindo-te mais meu do que nunca. Em fração de segundos, descarga elétrica, troca de energias, murmúrios, promessas suaves, juras que não serão cumpridas. Delicadamente, nossas respirações se acalmam, se combinam, se completam. Finalmente nos sentimos, por inteiro, sem temor, sem dor, sem amor.
Demonstras formalidade em teus gestos e carinho em tuas palavras. De repente, falas coisas que desconhecia, tratas-me com afeto, um cuidado que tua ansiedade antes não permitia. Descanso em teus braços, surpresa e segura, tento expressar em palavras sentimentos tão novos. Esclareces minhas dúvidas, alivias meus temores e esquentas minha alma.
O sono, carrasco dos amantes, interrompe nossa conversa. Perguntas-me o que tenho e vencida pelo cansaço, em pensamento respondo. Travo batalhas comigo mesma, tento iludir meu cérebro, dominar meus instintos, mas não evito adormecer. Antes, abraço-te, beijo-te, com pesar, me afasto, recolho-me a um mundo do qual sempre fizeste parte (mesmo sem me conheceres), onde sempre te amei. Apesar disso, sou infeliz, eu sei, pois ao dormir te perco, mais uma vez.