O sonho de milhões
O sonho de milhões
Pela manhã, o sol morninho pediu licença a cortina da sala. Curioso, entrou pra espiar. A cortina bailarina de rendinha branca dançava ao som da brisa faceira que entrava pela frestinha da janela. Durante todo o dia só se ouvia os sons da casa: o relógio da cozinha e o seu tic tac, a boa e velha geladeira com o seu motor pestanejando num liga e desliga constante.
À noitinha o sol se despediu, cumprimentou a lua, que também quis entrar pra ver aquela casa tão bonitinha, com suas coisinhas todas no lugar e um gostoso aroma de pinho. Então de repente, como um general forte e imponente a porta se abriu, titilando o molho de chaves sentinelas. Chegou o dono da casa! Ele entrou e nem reparou que a lua o visitava. É que estava cansado. Arrastava o corpo como se um caminhão estivesse em suas costas, mas estava feliz;estava em casa. Respirou fundo e reconheceu o seu canto.
Ligou o som e espalhou música por toda parte. Escancarou as janelas pra noite entrar sem cerimônias e a cortina bailou ainda mais. Assoviava quando entrou no banheiro. Banhou-se em chuva quentinha com pedrinhas cheirosas de espuma. Enroladinho saiu de lá. Abriu uma gaveta amiga, de onde tirou uma malha com um cheirinho bom de sol, e a vestiu como a um abraço.
Foi a cozinha e fez um pouco mais de barulho; esquentou algo pra comer. Satisfeito resolveu fechar a casa outra vez, mas agora percebera a lua e a convidou pra ficar. Amanhã tinha que voltar ao batente antes de ver o sol entrar pela janela da sala.
Pulou na cama quentinha, tão fofa quanto uma nuvem. Aconchegou nas cobertas como quem se aconchega aos braços da mãe. Mas esqueceu a janela do quarto aberta e um vento traiçoeiro açoitou seus trapos fazendo-o acordar debaixo de uma marquise da Avenida Presidente Vargas.
Adriana Kairos