O jabuti
O pai comprara uma câmara de bronzeamento artificial.
Quando chegou, a família reuniu-se em torno do equipamento como se celebrasse a aparição de um objeto sagrado. O pai, lendo o manual de instruções ao mesmo tempo em que explicava as funções do aparelho, mal disfarçava a emoção: gaguejava, trocava algumas palavras, esquecia outras, perdia-se no meio das frases.
O cliente deitava-se numa cama confortável e sobre ele fechavam-se luzes fortíssimas que causavam cegueira se aplicadas indevidamente. Fácil de operar a máquina: os números sintonizados de acordo com a metade da idade da pessoa. Se tivesse cinqüenta anos, ajustava-se no número vinte e cinco. Se trinta, no quinze.
Sucesso imediato na cidade. Agendavam-se horários com dias de antecedência. A procura intensa fez com que o pai sorrisse de felicidade, aumentasse o valor da hora do serviço prestado e sonhasse com lucros futuros.
De longe, o garoto encantava-se com as mulheres – a maioria dos clientes compunha-se de mulheres – de todas as idades, formatos, cores e biquínis entrando na máquina para saírem em tons diferentes.
Ao invés de afugentar, o mês de julho aumentou o número de clientes. Eles, os clientes, queriam impressionar os amigos com marquinhas e pele menos pálida.
No frio, o garoto limitava-se às brincadeiras no quintal: construía castelos de pedra, cozinhava bolos de terra, inventava pontes de gravetos e carros de tijolos fragmentados.
Como a mãe impedisse os irmãos menores de brincarem no quintal durante o inverno, satisfazia-se em usar o jabuti como caminhão. Todos os dias, quando procurava o animalzinho dorminhoco, encontrava-o debaixo de galhos velhos e folhas secas.
- Ele sente muito frio. Por isso procura lugares para se esconder e se aquecer, disse o avô numa visita dominical.
À noite, não dormiu. O coração apertou. Angustiado, sentiu pena de seu companheiro.
Na segunda-feira, saiu sem tomar café, arrumou uma caixa. Dentro dela, panos grossos e jornais. Colocou o amigo lá. No almoço e no jantar, além dos momentos de brincadeiras, o jabuti ganhava liberdade para esticar as pernas, dar um passeio, respirar tranquilamente e, claro, aliviar-se da comida e da bebida.
Como julho geralmente apresentava dias gélidos, o menino achou que o jabuti deveria ser premiado. Ligar a máquina era fácil. Difícil era saber a idade do bichinho.
- Você conta pelas manchas que ele tem no casco. Para cada mancha você conta sete anos de vida, concluiu o avô, que mal teve tempo de perguntar ao neto o motivo da curiosidade.
- Trinta manchas, terminou o menino. Trinta vezes sete vão dar duzentos e dez. Metade de duzentos e dez? Cento e cinco.
Como o avô morasse a cinco quarteirões e não tivesse nada para fazer, decidiu descobrir o interesse na idade do jabuti. Quando dobrou a esquina da casa do neto, sentiu um inigualável cheiro de churrasco. A mãe do menino foi surpreendida:
- Como vocês fazem churrasco e não me convidam? Perguntou o avô.
A nora insistiu que não faziam churrasco.
- Diga-me: carne de boi, de porco ou de frango?
- Ninguém está fazendo churrasco aqui, persistia gentilmente.
- Uma carne novinha.
- Ninguém está fazendo churrasco aqui.
- Será peixe, peru ou provavelmente avestruz. Adoro carne de avestruz.
A mãe do menino sentiu um aroma que invadia a casa, mas cortou os sonhos do velho:
- Parece até que é daqui, mas ninguém está fazendo churrasco. Péricles saiu logo cedo, volta no fim da tarde. Os meninos menores ainda estão dormindo. Com esse frio, é melhor. O único que está acordado é Roberto, brincando com o jabuti...
*Publicado originalmente no Jornal Poiésis (Saquarema – RJ) na edição mensal de junho de 2008.